Há uma boneca de cera em meus devaneios. Não temos correntes, nada nos ata. Um grilo lunático brada sem causa. Capsulas do tempo, efêmeras e cancerígenas, estremecem minhas pernas. Pobres de nós que vivemos nessa ilusão. Bocarra dourada, qual sua causa? Que olhar. Queria eu provar uma dose, uma única dose, por uma única noite. Claro que não. Delgada realidade, não está ao alcance de nossas mãos. Então que percepção é essa? Estou alinhado a que? Entregue-se ao caos, ao acaso, e às suas vontades, quando acordares só restará sua alma.
segunda-feira, 11 de novembro de 2013
terça-feira, 16 de julho de 2013
O que virá?
Em uma garrafa de vinho e em uma sinfonia vocalizada por
metais dourados e tubos gloriosos, eu achei a porta para um novo universo.
Inspirado, decidi caminhar pela estrada de vidro que se materializou diante de
mim. O problema é que meu sapato era de aço e a estrada se quebrou depois de
330 dias de caminhada. Cai então em um turbilhão de carne e de um fluído que ainda
não identifiquei. Foi bom, mas passageiro. O mais interessante é que essa experiência
deixou de ser interessante depois que descobri que a cortina de fumaça que
condensa nossa personalidade, pode ser removida com um olhar firme e brados
lineares, não havia mais sentido em insistir em reviver algo que já se havia aprendido.
Assim mudei a conjuntura. Despejei-me em um poço de notas agudas e efeitos
colaterais áridos e dolorosos. A sombra que pairava sobre minha cabeça se foi,
não de uma vez como eu desejava, mas aos poucos, o mais engraçado é que pela
manhã ela sempre era mais intensa, e depois da farta refeição do meio do dia
também, mas a noite era só um eco longínquo, ilusório e prófugo. A expectativa
de viver arte me aguçava ainda mais a vontade de passar o tempo com comprometimento.
Logo chegaria a hora em que eu estaria envolto em um jardim recheado de árvores
frutíferas e intensamente produtivas, na realidade esse era meu maior
incentivo. E a mudança de conjuntura veio na hora certa afinal. Não poderia de
forma alguma entrar nesse viveiro formidável como um pequeno e indefeso mamífero, se eu tinha o intuito de coexistir com esses monumentos naturais. Muito menos como um
larápio pronto a violar os frutos dessas espécimes ímpares para saciar sua
sensação de vitória e usurpação. Deveria
invadir esse cenário marchando rumo a minha satisfação, pronto para me exaurir,
e disposto a consumir todos os frutos disponíveis até o último grama. Destino
privilegiado? Não, apenas esperanças efêmeras.
segunda-feira, 24 de junho de 2013
Hábito.
Hábito libertador que me assola. Prática intensa que me consome, que me guia a caminhos jamais explorados, que me guia aos recantos mais obscuros e inebriantes de minha identidade. Hábito quase abandonado. Batalhas sanguinárias contra a pobreza de minha personalidade, troco ofensas contra minhas fraquezas, me arrependo de ceder por algumas vezes, mas me orgulho ao levantar a flâmula da inspiração e regurgitar tempestades de incidências íntimas, lúcidas e sinceras. Hábito devastador. Não importa se são horas, se são alguns minutos, ou se tudo acontece no lampejo de um instante, meu imaginário sempre é sugado, como se uma fenda colossal se abrisse no solo do oceano e extinguisse a existência de todo o cenário marítimo em ínfimos segundos. Hábito que me compõe. Já não me concebo mais sem a presença dessa prática, mesmo que não saiba se há sentido, se há finalidade, se haverá conquistas ou aprendizados. Não importa, como já constatado, isso faz parte de mim. Hábito revelador. A cada episódio dessa trilha atemporal que percorro e desbravo entendo melhor a composição desse vasto cenário, compreendo melhor os agentes que vagam por esse cenário, reinvento esse cenário, revivo esse cenário, e sempre, sempre me abasteço de forças para enfrentar e lutar para sobreviver às mazelas desse cenário. Hábito que cura. Não há estado que não possa ser manifestado, não há enfermidade que não possa ser extinta, não há angustia que não possa ser aniquilada. Mas o mais importante, é que nesse hábito, encontro algo que se tornou cada vez mais raro de ser contemplado. Testemunho meu reflexo, indefeso, exposto e profundamente verdadeiro.
Adiante.
Esse foi o fim. Sentado na beira de um penhasco, olhando o
horizonte, uma bela vista por sinal, refletia calmamente sobre os últimos e
pesarosos eventos de minha ligeira existência. Decidi dar cabo naquele
sofrimento, me levantei e posicionei os dois pés com suas metades para fora do
limite do abismo que se abria abaixo de mim. Fechei os olhos. Vi uma revoada de
pássaros enormes que carregavam em seus bicos chaves douradas. Para aonde eles
iam? Senti a terra tremer e atrás de mim um túnel de cores brilhantes surgiu
como um trem e me envolveu naquele redemoinho de pânico como um turbilhão
causado por ondas marítimas revoltas. Um eco se ouviu naquele local. Nas paredes
desse túnel tive a visão de estranhos andando em ruas estreitas, seus rostos
não eram dotados de olhos, bocas ou narizes, mas em alguns eu podia contemplar
uma face conhecida. Tive medo. O eco estava mais forte. Do chão brotou um gramado
espesso, dono de um verde muito escuro, e logo me vi perseguindo coelhos
brancos, todos muito parecidos, porém seus olhos eram de formatos e cores
variadas. Procurava por um específico, de olhos pequenos e totalmente avermelhados.
Não o achei. O túnel voltou a me envolver. Fui guiado então até uma praia. O
tempo estava instável, com cara de chuva, mas mesmo assim queria muito entrar
no mar. Vi um grande amigo se aproximar na companhia de outras pessoas, não
queria a companhia de ninguém, estava ali para ficar sozinho e comungar aquele
momento somente com a manifestação agressiva que se fazia presente nas ondas
daquela praia. Porém antes mesmo que eu pudesse correr em direção ao mar para
evitar aquele confronto social, fui abordado pela presença irradiante de um dos
mais belos fenômenos da natureza que eu já havia visto. Não há forma de ser
justo com aquela forma. Posso somente dizer que fui guiado sem perceber até as
águas agitadas do oceano e lá fiquei por um período razoável, o suficiente para ver meus dedos enrugados. Sem aviso prévio o mar secou e se tornou um deserto. Não
compreendi o que havia acontecido, nem com aquela massa de água colossal, nem
com os outros seres que estavam por perto, tudo sumiu. Meus olhos agora estavam
cansados, como os olhos de um moribundo que não dorme há dias, eu os sentia
inchados, como quando acordamos de horas seguidas de sono. Novamente o túnel me
envolveu. Dessa vez o eco era ensurdecedor. Tapei os ouvidos em uma tentativa
inútil de abafar aquele som. Era algo vocalizado. Eram pessoas. Se fosse uma
única pessoa, certamente seria um som suave, mas eram todas as pessoas do
mundo, as que estavam vivas e as que já estiveram. Fiquei ensandecido. Parece-me
que isso durou algumas horas, já não tinha mais condições de quantificar o
tempo. Vi então diante de mim, brotar do chão, uma enorme mão, primeiro os
dedos, depois a palma e por fim o pulso. O som intenso parou. A mão pendeu para
trás e abriu os dedos o máximo que pode, acima, no firmamento, um dos pássaros enormes
que tinham pairado sobre mim deixou a chave que carregava em seu bico cair,
acertando o centro daquele membro gigantesco. Com destreza ímpar a chave
dourada foi posicionada entre o polegar e o indicador da mão, ela se aproximou
com cautela do meu peito e fez a chave me tocar, senti um ardor mortal, vociferei
um urro de dor, eu mesmo me estremeci com o desespero contido naquele brado.
Meu peito se abriu ao meio, eu tentava em vão, segurar as duas metades de mim
que se separavam para evitar aquele espetáculo de horror, mas não importava
quanta força fizesse nada adiantava. Então de dentro de mim saiu meu coração,
esplêndido, de um vermelho vívido, pulsante e proprietário de um vigor
descomunal. Ali, naquele momento, não tive dúvidas e entendi exatamente o que
devia fazer. Em um piscar de olhos, vi novamente o horizonte que imperava
naquele penhasco, meus pés ainda estavam com suas metades para fora do limite
do desfiladeiro. Respirei fundo, dei meia volta e caminhei em direção à vida para
doar a quem merecesse o melhor de mim.
segunda-feira, 17 de junho de 2013
Viva!
Queria saber o que se passa em mim para entender você sem ter você em mim não sei se isso é possível mas sei que tento mesmo assim interpretar o que se passa na sua mente em seu espírito e em sua alma acolhendo esse sentimento sincero em meu coração tentei lhe doar algo bom mas você disse não mesmo dizendo que tinha ciência do que se tratava não fez sentido essa negação mas aceitei por que não sou de choramingar o que não querem me dar e mesmo que devesse insistir um pouco mais sei que não valeria a pena pois tenho quase certeza que você não faria o mesmo por mim pelo seu jeito pelo seu modo de agir de falar e de pensar uma pena pois essa rijeza emocional acaba se refletindo em um escudo que não pode ser transpassado por atos ou palavras ele só pode ser desarmado e só pode ser desarmado por você quando você estiver disposta mas viver assim é compactuar com uma tentativa pífia de controlar o destino de controlar a vida de controlar e controlar e controlar quando na verdade o que importa na vida é não ter controle de nada e se casar com o caos e com o acaso e com as consequências positivas que isso tudo nos traz viver é saber lhe dar com isso não há regra não há solução não há método mas sim experimentação fazer diferente dessa vez para errar de uma forma diferente da anterior descobrir algo novo em alguém diferente e assim se redescobrir e assim se reconstruir e assim viver novamente começar novamente rir novamente das loucuras do destino aprender de uma forma nova com situações mais intensas e interessante do que antes mas isso é impossível para quem não sabe que o segredo maior disso tudo é que tudo absolutamente tudo sem exceções passa e quando passa tão brevemente ninguém mais se lembrará de você por que o mundo girou as gerações se foram e você como é não será lembrado por ninguém por que lá se foi a vida. Viva!
domingo, 16 de junho de 2013
Depoimento sobre um pequeno intervalo no caos.
A vida é engraçada, quando nós menos esperamos encontros caóticos e, ao mesmo tempo, mesmo que soe estranho, elucidantes nos atingem como raios. Hoje, depois de um almoço tranquilo, fui presenteado com um desses acontecimentos, em uma das inúmeras padarias tijucanas, estabelecimentos, aliás, que ando frequentando quase que diariamente. Um senhor, que já deve contar com sua sexta década de vida, me bombardeou com positividade e ideias fantásticas, exatamente o que precisava, em um momento tão atribulado e acelerado da minha vida, ainda mais para mim, com esse perfil, calmo, reflexivo e passional. Foram tantas ideias, sugestões, aconselhamentos (mesmo que não tenham tido essa denotação, assim os absorvi) que sinceramente, ganhei a tarde. Bom, esse depoimento não serve apenas para descrever algo, que ao menos eu, julguei como fantástico, mas sobre tudo para compartilhar com os que tiverem paciência (ou a "ciência da paz", como explanado por esse senhor para mim, durante a hora ganha ouvindo suas ideias) duas colocações que todos nós deveríamos sempre ter em mente.
Primeiro: "Fantasias viram fumaça, mas sonhos não, sonhos viram projetos e projetos viram realidade, tenha sempre entusiasmo na sua vida para perseguir seus objetivos."
Segundo: "Criatividade, Talento e Imaginação, são a inteligência em movimento."
Ambas ideias creditadas à Carlos Alberto Armando Nogueira, não sei se vou reencontrar esse filosofo algum dia, mas mesmo tendo o agradecido em demasia naquele momento, deixo aqui, registrado, mesmo que de uma forma impessoal, meu mais sincero muito obrigado.
sexta-feira, 7 de junho de 2013
A próxima.
O brilho lunar níveo e tímido caminhava calmamente pelo meu
quarto naquela noite. A ausência já me fazia companhia há anos e eu já havia
condicionado meu pobre companheiro a essa situação. A penumbra que dançava
diante dos meus olhos, grunhia vorazmente o som da solidão. Lembro-me que nas
primeiras vezes esse som era algo aterrorizante, com o tempo ele se tornou algo
tão banal que de vez em quando até sentia falta dele. Apesar do clima pesaroso
que havia se instaurado no ambiente eu ainda me sentia vivo de alguma forma.
Porém, quando menos esperava fui visitado por minha criatividade, mas não a criatividade
capaz de guiar os apaixonados pelo impossível, por caminhos de incontáveis
possibilidades. Fui visitado pela criatividade que tortura, a criatividade que
maltrata, que nos afoga em nossas expectativas, que dilacera nossos sorrisos,
que esburaca nossa esperança, que nos trai, que nos esfacela contra o chão como
bestas esmigalhadas nas estradas, a criatividade que nos deixa na lona, que não
concede trégua, que amedronta sem motivos, que nos afasta do nosso melhor, que
não nos permite doar o nosso melhor, mesmo que tentemos desesperadamente, que
nos lança em um redemoinho de pessimismo e covardia, que nos faz rolar por um
desfiladeiro tenebroso de aflição, que não nos deixa respirar, que não nos
permite falar, que não nos concede nem ao menos o direito de derramar uma
singela lágrima, por mais que tentemos, mesmo sabendo que isso não funciona assim. Depois
dessa tortura involuntária imposta por minha mente, não me restou mais nada, a
não ser esperar pela próxima noite, pela próxima visita, pela próxima enxurrada
introspectiva de minha própria identidade.
quarta-feira, 5 de junho de 2013
De volta a realidade.
Com o corpo coberto por farrapos e na companhia de
moribundos, peregrinei para o meu passado na tentativa desesperada de lavar a
tez corrompida da minha alma. Atravessei dezoito constelações, visitei oito
vilarejos e sonhei com o momento em que meu espírito se inundaria com a
presença não tão mais necessária, mas que ainda pairava em meu imaginário. Guiado
pelo arrebol pulsante que preenchia de esperança o coração dos vivos,
contemplei novamente o espaço que abandonei na digna intenção de buscar
caminhos intensos, vívidos e apaixonantes. Orgulhoso por terminar essa jornada,
caminhei ao encontro das geradoras de gerações. Com elas tive pouco tempo para compartilhar
os contos do outro lado. Sem mais delongas, fui me afogar na falta de
propósito. Esse sim é o verdadeiro ato primordial de nossa natureza. Então, quando
já estava em outra dimensão, quando já não havia mais indivíduos, quando o
tempo já não se contabilizava, quando a penumbra deu lugar aos cânticos místicos,
eu tive uma visão. Diante dos meus olhos surgiu uma estátua, ela estava sentada, tinha em sua mão esquerda uma pequena e ameaçadora porção de enfermidade, sua postura era ereta, clássica,
suas pernas estavam cruzadas apontando para uma direção diferente do resto do
seu corpo, como um relógio que marca duas horas, sua outra mão era usada como
um apoio para o corpo, posicionada atrás de suas nádegas, e seu olhar estava
fixo, mirando um portal de luzes variadas que se abriu diante dela. Posteriormente, com sua superfície composta por odor e textura de carvalho, a estátua se ergueu diante de mim e me
convidou a penetrar em sua mente. Evitei fitar seus olhos com medo de não ser
mais capaz de vislumbrar outras paisagens, mas não foi possível. Não pude
identificar de que material seus globos oculares eram feitos, sei que não eram
nem de pedra, nem de madeira. Fui sugado em direção à identidade congelada e
distante daquele monumento. Encontrei ali um jardim proibido. Existiam lá inúmeras
árvores e outras estátuas de formas variadas e até sedutoras. Tive a oportunidade
de conversar com um dos jardineiros responsáveis pela limpeza do local, ele me
contou que ali residia uma pequena criatura, que vive correndo pelo local, se
alimentando de liberdade e curiosidade. Minha vontade de conhecer o tal ser, não podia ser maior. Vaguei por algumas horas, me banhei em um lago de
desejo, devorei frutas suculentas e por fim encontrei a toca em que vivia a misteriosa entidade. Chamei-a duas vezes, ela logo apareceu. Ao me ver, pude identificar
um sorriso convidativo, que foi seguido por uma disparada buraco adentro, a
toca se estendia por quilômetros, a segui o mais rápido que pude. Chegamos a um
ponto onde meu corpo não cabia por inteiro, ali aquela pequena presença se sentou calmamente, tomando uma
distância de segurança, distância essa que mesmo se eu esticasse meus braços o
máximo que pudesse não a alcançaria. Então, diante dos meus olhos, a pequena criatura se transfigurou em uma rosa intensamente vermelha, de
seu caule esverdeado escorria uma seiva incolor, mas de um perfume excessivamente atraente, suas duas folhas que pendiam lateralmente, eram aveludadas e proprietárias de uma delicadeza
provocante. Não conseguia me controlar. Lutei para tentar alcançar aquele
vegetal tão belo e vistoso, estava além do limite da racionalidade, era algo
visceral, instintivo, animal, intenso, necessário. Não importava o quanto eu
tentasse meu tamanho era demais para aquele estreito orifício subterrâneo. Depois
de dias em uma incansável e inútil empreitada, restou-me a contemplação, e foi
isso que fiz. Adormeci ao lado daquela flor e quando acordei já não estava mais
naquele local, não havia mais jardim, nem estátua, nem meu passado, nem meu
futuro, somente a paixão confusa pela ausência da presença que não era mais
necessária. De volta a realidade.
quarta-feira, 15 de maio de 2013
Piedade
Em meio aos turbilhões de fantasias que habitavam em mim, recebi uma notícia que ainda estava por vir. Testemunhei durante dias minha singela, porém muito aguardada, vitória sobre os aspectos corpóreos compostos por poesia e inspiração. Também compreendi que outros astros poderiam pairar através do firmamento, caso minha dinâmica metafisica pessoal tomasse forma e agisse conforme a torrente de devaneios transitórios que preenchem meus poucos e raros instantes introspectivos. Tudo bem, eu pensei, mas o que eu queria de fato e imediatamente era possuir aquela imagem que se materializava no reflexo vivaz e impetuoso do meu espelho. Nessa duplicata de gênero diferenciado eu vislumbrava fartas gargalhadas, argumentações velozes, personalidade intensa e uma tentadora constituição delgada, misteriosa e, muito provavelmente, narcótica. Vislumbrei os céus e, como os condenados que tem a alma purificada pela tortura pungente do carrasco, a única coisa que me restou foi a proclamação de uma súplica: Caminho tortuoso que nos conduz, tende piedade de nós.
quarta-feira, 24 de abril de 2013
Áspera
Senti sua palavra áspera descer pela minha garganta, arranhando
minha confiança e desordenando o que não é capaz de ser racionalizado. Por
subsequentes madrugadas, assisti em estado de tensão, a última apresentação do
mesmo rolo de filme, que tinha como tema principal, mas não exclusivo, minha
estadia em um porto inconcebível de águas ora cristalinas, ora traiçoeiras.
Tentei me convencer de que o intervalo médio entre nossa concepção, não seria
obstáculo para quando fossemos presenteados com o dom da caminhada cognitiva.
Nisso eu tinha razão. Também em pouco tempo, fui capaz de edificar o prazer das nossas reflexões conjuntas, em detrimento de uma calcificação genética mal assentada.
O compasso desvairado das rotações e translações faz com que fiquemos abismados
nos momentos em que esses eventos se manifestam. Estranho mesmo foi passar um
dia inteiro esbarrando em lembranças e fantasias juvenis, e de repente, como em
um espetáculo pirotécnico que é interrompido abruptamente pelo advento de uma
tempestade recheada de ventos impetuosos, depois de ter aparado meu desagrado, você
sumiu da minha mente. Mas a azia causada pela rispidez das sentenças
previamente anunciadas, ainda me preocupa. Dizem que o melhor tratamento para
essas coisas é cuidar bem da alimentação, no meu caso, sem mais retardos, deglutir
as minhas próprias soluções.
quarta-feira, 17 de abril de 2013
Todos nós.
A mosca que se arrasta sobre meu rosto, a aranha que mora na
conjunção da minha prisão, o mosquito que se oculta na estrutura do meu alívio,
a barata que marcha pelo altar da comunhão, o rato que reside nos dejetos dos
dejetos, o asco, a fobia, o desprezo. Nada é tão assustador quanto a fera que
nos persegue em um sonho infindável, a fera com o olhar, propósito e essência assassina,
a fera domável, e que mesmo assim, tem a condescendência de seu mestre para
obliterar as vísceras alheias ao menor vestígio do odor intolerável do medo. No
percurso de descida das sete camadas, um ancião nos revelou, em apenas poucos
segundos, que ídolos incompreensíveis são nossa única chance de salvação. Colapsos
doentios se espalharam com violência sobre a multidão e o caos e o terror
reinaram. Ferragens animadas fragmentaram e pulverizaram a carne, oradores impecáveis se
esquivaram do fardo, anunciações populares prestaram adoração à indignação, a
massa sofreu, a ceifa agiu e o intervalo contínuo não testemunhou nada de novo.
E diante desse destino, ao compreender que o todo se deteriora ao nosso redor,
e que, na promessa de vingança, a humanidade aceita e se alimenta dessas nefastas
e tardias carnificinas, os justos choraram.
domingo, 14 de abril de 2013
Lhes declaro.
Aconteceu em uma noite agonizante de uma data trivial.
Perdido nas memórias de uma festa que aconteceu há muito tempo, ele viu uma
alma que, de modo inocente, já havia sido presenteada por sua mais íntima e sincera
oferenda atemporal e que agora estava trilhando um dos caminhos sem volta.
Essa estrada específica é sem volta em sua, mas não concebida somente por si, concepção
ideal de um mundo sem atropelos filosóficos, individualistas, egoístas e
sanguinários. Tratasse de uma jornada que, constantemente, aprisiona pobres
peões em correntes sagradas e que constrói as instituições mais belas e ao
mesmo tempo mais perversas de que já se teve notícias. A alma que havia sido
fitada por seus olhos virtuais já lhe despertara todos os tipos de sentimento, o
amor supracitado, a inveja que oxida as convicções primas, a pena que alimenta
o orgulho e até mesmo a ira de temível, inconsequente, irreparável e
imprevisível presença. Dessa vez, nesse cenário, nessa noite de curtas horas, nesse
cubículo caótico de odores e configurações detestáveis, ele não soube o que
sentir. Não teve coragem de lhe desejar sorte, não teve vontade também, nem ao
menos sabia se isso faria alguma diferença, pois não era em seus desejos,
fossem quais fossem, que o destino se embasaria para dar ou tirar qualquer fato
pertinente da existência futura daquela compleição metafísica. A conjunção
temporal definitiva ainda estava por vir, e com ela suas consequências. A ele, solitário e amargurado, o único fardo que lhe restou foi o de sua própria vida.
sábado, 13 de abril de 2013
Campeões vespertinos.
Lembrei-me de uma época negra, em que vivia acompanhado por
campeões, e conosco sempre estavam os espólios gloriosos de batalhas, que ainda
hoje podem ser ouvidas. Nesse mesmo período, conheci gigantes de uma ilha
distante, que entoavam canções curiosas e que serviram de inspiração para
fragmentos textuais, que, por várias vezes, foram vistos como marginais por membros
ignorantes de uma sociedade sórdida. Os gigantes nos aconselharam, a mim e aos
campeões, a nunca falarmos sobre a morte, pois um mago paranoico poderia, com a
ajuda de uma mulher maléfica, nos conduzir ao desespero profundo e sem fim. Em
uma vila sonolenta nós visitamos uma caravana interplanetária. Compramos
mantimentos para a continuação de nossa jornada e trocamos uma nota musical por
uma aliança carnal entre um anão bárbaro e uma serpente albina. Testemunhamos crianças
que saiam de suas covas em busca de mudanças para seus futuros arruinados. Ouvimos
contos que eram apresentados em coro por homens férreos, torturados pela amargura de não
haver mais vagas nem no céu nem no inferno para suas almas malditas. Nesse momento,
um buraco se abriu nos céus e de lá, cavalgando em um animal de dez cabeças,
apareceu um cavaleiro de neon. Ele trazia em sua mão esquerda uma espada de
prata, e na direita uma mensagem datilografada em código binário. Depois de
sessenta e oito horas descobrimos que deveríamos marchar para o norte, onde
havia uma missão vital para concluirmos. Seguimos a sétima estrela e depois de
nascermos novamente chegamos ao nosso destino. Desumanizamos o ídolo eterno,
envenenamos o poço dos desejos, levamos um povo à liderança, sabotamos um castelo
de fumaça, escrevemos feitiços na pele de um cordeiro, e depois de termos libertado nossas mentes das preocupações de um cotidiano inexistente, falecemos na
promessa da juventude eterna.
segunda-feira, 8 de abril de 2013
Domingo 23:54.
Ali estava ela, sentada na janela, olhando o fim do mundo,
como se houvesse alguma novidade naquilo.
Uma ou duas companhias já seriam suficientes para tapar o buraco que
havia no meio do quarto. Compartilhar uma ideia original, uma piada sem graça,
ou mesmo um pensamento idiota já seriam uma novidade para a semana exaustiva que
ainda estava por vir. As olheiras profundas não deixavam dúvidas de que o
cansaço era seu maior inimigo. Mas cansaço de que? Pergunta tão fácil de ser
respondida que ela nem se dava o trabalho de refletir sobre o assunto. Viu um
gato caminhar pelo telhado vizinho e pensou que o bichano podia virar um pombo,
voar até o outro prédio, se transformar em aranha, pegar um clarinete
emprestado com o garoto que dormia, tocar Coltrane e encher o saco da
vizinhança. Riu do próprio devaneio. Tomou um farto gole d’água da garrafa de plástico vagabundo que estava ao seu lado. Viu que não havia estrela no
céu, normalmente já era difícil de ver alguma, mas as nuvens que cobriam a
noite impossibilitavam a aparição dos astros. Teve saudades do interior. Os olhos
estavam cada vez mais pesados. Se não tivesse aquele compromisso desagradável
na manhã seguinte ia ver algum filme besta na televisão, esses mal dublados de
fim de noite. Olhou para o relógio e contou quantas horas iria dormir se
pegasse no sono naquele exato instante. Ouviu uma sirene e refletiu que não
queria estar na rua, mas seu atual abrigo também não era o que desejava. Lembrou-se
do almoço. Ficou imaginando quantas pessoas estariam acordadas àquela hora,
pensando que deveriam estar dormindo. Na verdade, ela também estava perdida nessa ideia. Foi escovar os dentes e matou um mosquito no corredor. Escolheu
a última música da noite com muito cuidado, o processo levou sete minutos e
atrasou seu sono em pelo menos vinte e oito. A última música nunca é a última,
não resistiu, ouviu mais cinco. Olhou de novo para o relógio. Não ficava mais
desesperada, a rotina já havia lhe anestesiado. Desligou o som, se benzeu,
deitou-se com a barriga para cima, olhou para a penumbra que se formava em seu
quarto, respirou fundo, seus olhos se fecharam lentamente e pouco antes de pegar no
sono, chorou em silêncio.
sábado, 6 de abril de 2013
Sete dias.
Depois do descanso foi decretado um estado de calamidade
continua durante sete dias. No primeiro dia ele assistiu especialistas regurgitarem
teorias que podiam salvar sua vida ,quando o ferro e o fogo tomassem conta do
oceano. No segundo dia ele teve um encontro repentino com uma figura divina de
feições perfeitas e um olhar cativante, que jurou proteção aos seus queridos, desde que assinasse um contrato com suor e sangue. No terceiro dia ele foi
obrigado a atravessar um rio de chamas mortais, e mesmo com medo, depois de
cumprir a tarefa, se sentiu bem. No quarto dia sua alma, acompanhada de mais
vinte e três, se agarraram a dispositivos de sobrevivência mutua, após terem se
lançado voluntariamente a um lago de águas turvas. No quinto dia ele assistiu a
história do imaginário humano, exposta sobre papéis e telas complexas, nesse dia
quando chegou ao seu lar teve seu coração perfurado pelo ódio. No sexto dia
testemunhou obras inacreditáveis, se entregou a gula e desejou a companhia certa
para a noite perfeita. No sétimo dia o sol lhe cegou, rezou em vão, e desejou
outra realidade, pois seu calabouço e seu carrasco já estavam a sua espera.
terça-feira, 26 de março de 2013
Intermitência laboral.
Deslizei quarenta minutos pelo subterrâneo para encontrar um
simpático texugo que me deu como tarefa a busca por um papiro. Caminhei por uma
cidade inteira, atravessei um rio leitoso, escalei oito lances de escada, encontrei
espíritos em procissão, transpassei um presidente, entrei em uma catedral,
corri pelo século XVII, assisti um coro juvenil, testemunhei um brado imperial,
me acomodei na antiga morada de uma rainha, vislumbrei paredes banhadas a ouro,
ajoelhei-me diante de um anjo, olhei para minha infância, me perdi em novecentos
e oitenta e sete títulos, apartei o conflito de burocratas, me alimentei ao
lado de anciões ignorantes, me indignei com o desejo, observei o cavaleiro de
metal, andei por corredores de madeira, conversei com desconhecidos, vi a
pobreza, vi a indiferença, vi o vício, e por fim, ouvi sinos que me delataram o
caminho, e no alto de uma montanha, dentro de um baú, em cima de um
travesseiro, enrolado peculiarmente, estava o papiro que o texugo havia
mencionado. Levei imediatamente o artefato para o animal, que com uma piscadela
e um sorriso satisfeito, apanhou aquele singelo objeto e disse: “Pronto, agora
a culpa é toda sua.”.
terça-feira, 19 de março de 2013
Refeições.
Acordei indisposto, mas mesmo assim me dirigi ao purgatório.
No café da manhã foram servidos veludo, submissão, e um naco de carne com muita
gordura, o melhor foi poder pagar com agressividade, insultos e com uma bela
segmentação vívida das minhas reservas genéticas. O almoço foi frio,
misterioso, e digno de contemplação e desejo, no fim tive a chance de quebrar o
clima estranho e ganhei como recompensa um sorriso formoso, um olhar charmoso e
um código promissor. Quando cheguei a minha casa, um pequeno lanche vespertino
estava a minha disposição, nele encontrei uma dose cavalar de insatisfação e muita
curiosidade por conta do que havia por baixo do tecido negro. A refeição foi devidamente
tratada com provocações e um recipiente sedoso acabou molhado por um acidente
não acidental, mas foi só. Mais tarde, de surpresa, fui agraciado com a última
ceia, essa sim saborosa, cálida, completa, permissiva, que começou com tons comportados
e contidos, mas que se revelou com rapidez insana e intensa, proprietária de
uma textura suave, perfumada e viva, a melhor em anos devo admitir. Ainda tive
a oportunidade de desfrutar de reflexões originais como sobremesa, fato que me
surpreendeu agradavelmente. Dormi como pedra e o melhor de tudo foi, na manhã
seguinte, despertar em outros ares.
domingo, 10 de março de 2013
No fim.
Não havia dia lá, somente a
escuridão. Não era possível contabilizar o tempo, fato que me levava a uma
confusão incomum, já que até ali eu havia sido adestrado a seguir as mazelas
impostas pelo mesmo. Acima de minha cabeça
era possível contemplar um céu coalhado de estrelas, o que de alguma forma me
trazia esperança. Porém era uma caminhada estranha, não sabia para onde estava indo,
mas meus pés continuavam insistindo em me conduzir para algum lugar. No fim
acho que não havia outra opção. Praticamente todas as iniquidades fisiológicas eram ausentes lá,
mas eu continuava recheado de sentimentos, era o que restava. Existiam outras
pessoas que faziam essa caminhada, porém elas pareciam não ser agraciadas com o
dom da comunicação, pareciam todas conformadas com a procissão de tom fúnebre que
se desenvolvia ali. A maioria era proprietária de olhares e expressões
indiferentes. Além das pessoas, nos acompanhava um uivo constante proveniente
do vento, hora quente, quando soprava contra nosso rosto, hora gélido, quando parecia
nos empurrar, como se estivesse dando forças para que a caminhada se
concluísse. Consegui entender que aquele local se tratava de um deserto, mas
não esses de dunas altas e areia pálida, se tratava de um desses desertos de
pedras, com um solo rígido e que maltrata os pés e o corpo de quem acaba pisando
ou tropeçando em alguma rocha no caminho. Essa era outra coisa possível de ser
sentida ali, dor. Todo meu corpo já estava exaurido, os pés ardendo, pois suas solas
já haviam se tornado carne, mas por algum motivo desconhecido era impossível
parar e descansar. Em dado momento pode ser visto de longe uma luz. Essa luz
emanava da terra, e era avermelhada como fogo. Aproximando-se do local, foi
possível perceber que essa luz era proveniente de uma enorme cratera cravada no
meio da paisagem. Foi então que eu percebi que esse era meu destino, todos que
ali estavam caminhavam para aquele imenso buraco. Quando meus pés finalmente me
fizeram alcançar a beira da cratera, vi o quanto ela era profunda e dona de uma
forma cônica, como um funil, seu fim era como a boca de um vulcão e labaredas de
fogo saiam do centro da cavidade. Esse era o destino de todas as pessoas que
vinham caminhando de todas as direções do deserto. Não sei discernir o que, mas
algo me empurrou para dentro daquele pesadelo, e comecei a deslizar pela
superfície escorregadia daquela abertura, feita de areia negra e rochas pequenas e médias,
diretamente para o abismo de fogo. Testemunhei inúmeras pessoas lutando contra
aquela queda, era uma imagem desesperadora, muitas daquelas pessoas choravam e tinham a mais verdadeira expressão de pavor estampada em seus rostos. De dentro do buraco flamejante
era possível ouvir gritos, berros e urros aterrorizantes. De tempos em tempos
uma lufada extremamente quente vinha de lá, fazendo com que nossos corpos se inflamassem. Nada mais podia ser feito naquele momento, não importa o quanto nós
lutássemos todos, invariavelmente, caiam no olho de fogo daquela fissura. Eu, por
minha vez, decidi abrir os braços e receber de peito aberto o caminho que
escolhi.
sexta-feira, 1 de março de 2013
Reflexo
- E ai?
- E ai...
- Então, o que você acha que nos torna especiais?
- Como é que é?
- É. O que você acha que nos torna especiais?
- Como assim?
- Pois é. Como assim. Esses dias eu li uma frase que dizia mais ou
menos o seguinte: “Só não jogo tudo para o alto por que depois vou ter que sair
catando.”. Me soou mal, com um tom covarde, dessas pessoas que morrem de
insatisfação pelo que são e pelo que tem, e ao mesmo tempo morrem de medo de
arriscar, de tentar mudar a mediocridade de suas vidas.
- É estranho mesmo.
- Então, e quanto a nós? O que andamos fazendo para não sermos vítimas
desse mesmo mal?
- Muito pouco, eu acho. Tá foda.
- É tá foda.
- O pior é que a gente não tem muito que fazer, a não ser esperar.
- Esperar e ver o desenrolar das coisas, é meio que uma atitude
preguiçosa, não?
- É.
- Bom eu só espero que a lição aprendida aqui seja muito boa, por que
não tá fácil.
- É.
- Enfim, acho que o mais importante são as perguntas que nos fazemos, e
como às respondemos.
- Não entendi.
- É. Tipo assim, vale realmente a pena passar por tudo isso? Vale o
tempo e o estresse?
- A tá, é algo a se pensar.
- Mas eu não sei se essa é a pergunta certa.
- A pergunta certa deve ser: “Eu sou feliz?”. Acho que isso já é o
suficiente.
- É, mas eu acho que a gente tem que ir além. Acho que a pergunta certa
é: “Eu me admiro pelo que eu sou?”. Isso sim pode fazer diferença na forma com
que enxergamos nossas vidas.
- Verdade. Acho que isso pode nos mudar para o bem, ou para o mal. É
quase que uma armadilha.
- Se soubesse disso antes não teria investido em um clima tão abafado,
teria ficado com a brisa suave que soprava na minha antiga varanda.
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
Do poeta.
Não.
Não escondo.
Não escondo sentimentos.
Não escondo sentimentos ordinários.
Não escondo sentimentos ordinários, verbalizo.
Não escondo sentimentos ordinários, verbalizo vulgarmente.
Não escondo sentimentos ordinários, verbalizo vulgarmente as
conjunturas.
Não escondo sentimentos ordinários, verbalizo vulgarmente as
conjunturas pertinentes.
Não verbalizo as conjunturas ordinárias vulgarmente escondidas em sentimentos pertinentes.
Não verbalizo as conjunturas ordinárias vulgarmente escondidas em sentimentos.
Não verbalizo as conjunturas ordinárias vulgarmente escondidas.
Não verbalizo as conjunturas ordinárias vulgarmente.
Não verbalizo as conjunturas ordinárias.
Não verbalizo as conjunturas.
Não verbalizo.
Não.
Não verbalizo as conjunturas ordinárias vulgarmente escondidas em sentimentos.
Não verbalizo as conjunturas ordinárias vulgarmente escondidas.
Não verbalizo as conjunturas ordinárias vulgarmente.
Não verbalizo as conjunturas ordinárias.
Não verbalizo as conjunturas.
Não verbalizo.
Não.
terça-feira, 26 de fevereiro de 2013
Fluído.
Estava sentado em um sofá na praia quando as velas se
apagaram. Ouvi sua respiração e corri para os esgotos quando algo ecoou no
céu. Um inseto voador pousou no meu doce
prazer e me fez ter ódio do concreto das imediações. Em um domingo de verão
tive tempo para devorar os roedores que tentavam correr para suas tocas. Fui
gratificado com uma máquina de cigarros por não ter deixado as esperanças
escorrerem para outros domínios astrológicos. Se tudo o que é preciso se limita
à mera interação entre os indivíduos da mesma laia, prefiro me recolher e ter
em minha mão, uma boa dose do meu singelo fluído.
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013
Amphibia-Bovinae.
Sua couraça é empapada por um óleo fétido que deixa um rastro tenebroso por onde passa, por toda sua superfície se encontram protuberâncias asquerosas e assustadoras. Quando vocaliza suas vontades elas causam desespero e agonia a todos que estão em sua volta. Sua língua tem a habilidade de sufocar qualquer ser vivo em efêmeros segundos. Esbraveja insanamente ao menor indício de paz, o que, por sinal, considera como algo perturbador e dispensável. É dono de um egoísmo sem igual, além de sentir um prazer orgástico em despedaçar os aspectos psíquicos de quem ou o que atravessa seu caminho. Odeia carregar os mesmos fardos que, constantemente, impõe às outras criaturas. Ridiculariza e faz de tudo para impor sua ilusória superioridade aos que, por alguma falta de fortuna, tem-lhe por perto. Como companheira foi-lhe eleita uma serpente que, originalmente, tinha em mente devorá-lo vivo para saciar suas ambições. No entanto, a criatura ficou tão enorme, que não podia mais atravessar a mandíbula móvel do réptil vil. Seu grande mentor é um abutre albino, que nos dias de hoje, ainda sobrevoa sua cabeça, a fim de confiscar suas torpes conquistas e deixar-lhe apenas migalhas, o que aceita com prazer, pois não há nada mais importante para si do que a subserviência ao seu mestre. Dizem que existem algumas crias de natureza variada, que de tempos em tempos são condenadas a purgarem em companhia desse ser maldito. Mas nada tão fatídico quando o destino do ofídio que, querendo ser maior do que podia, acabou viciado no sofrimento imposto pela companhia do temível Sapo-Boi.
domingo, 24 de fevereiro de 2013
Na caverna.
Ao avistar uma caverna algo me dominou, caminhei para seu interior para me deparar com um sonho dentro de um sonho. Ali estava em exibição um elefante grandioso, ajoelhado e decapitado. Andando por uma avenida em uma cidade do interior, me deparei com a mesma cena, só que dessa vez a criatura já estava em estado avançado de decomposição, o cheiro não incomodava, mas a enorme poça de sangue já coagulado naquele chão de terra batida era perturbadora. Não tive trabalho para convencer a multidão de que já havia testemunhado aquele fato em outra dimensão. Segui adiante sozinho e ao olhar para meu lado, vi que estava, na verdade, acompanhado por quem me ofertou a existência. Adentramos de mãos dadas em um templo branco e chorei diante de uma indulgência milenar enquanto cânticos serenos eram entoados e ecoados por todo o ambiente. Depois desse cansaço todo, a melhor opção foi uma ceia farta, uma das minhas favoritas, diga-se de passagem. Ao entender que haveria escassez, separei em uma bandeja de prata elementos que seriam consumidos por meus amados, infelizmente o egoísmo dos indivíduos presentes impossibilitou que meus planos se concretizassem. Irado, resolvi me alimentar sozinho, em outro lugar. Explorando os outros ângulos daquela viela relativamente familiar, encontrei o ambiente perfeito, uma arejada e isolada varanda lateral de uma oca abandonada. Cuidadosamente organizei aquele espaço, rede esticada entre duas pilastras e uma mesa de madeira tosca posicionada ao meu lado, coexistindo como a companhia ideal. Entre as minhas iguarias vi que faltava uma, frustrado, percebi que aquele ritual não seria completado com sucesso sem esse elemento úmido e de sabores e texturas variadas. Fui buscá-lo. Na volta, encontrei um velho conhecido que estava segurando um cão feroz em suas mãos, ele sorriu para mim e regurgitou algumas palavras incompreensíveis. A fome, no entanto, não me deu ao luxo de interpretar aquele código linguístico, era como se alguém estivesse socando com brutalidade meu estômago. Corri para minha rede lutando para equilibrar meu banquete. Cheguei ao local, mas para minha surpresa havia chamado muita atenção e já não estava mais sozinho. Pelo menos não tomaram meu lugar, a rede estava salva. Uma das pessoas era uma menina que se queixava pelo fato de sua morada ter sido tomada por água e lama na última noite, tive a visão exata dela se arrastando naquele líquido barrento em seu quarto, que mais parecia um brejo. Mandei então uma mensagem para a alfa que eu não sabia onde estava, e ela me respondeu via sinais eletrostáticos, que viria até mim após o crepúsculo, talvez para assistir novamente ao espetáculo astronômico nas areias locais e consumar o ato final de nossa apresentação. Por algum motivo escuso a parcialidade genética mais nova da minha tribo não se recolheu e acabou impedindo meu júbilo carnal. No dia seguinte, remarquei com a alfa para o mesmo período. Alguma reunião atípica aconteceu na minha sala de estar e até uma presença incomum, e por muitas vezes indesejada, estava lá. Se me conheço bem questionei aquilo, mas confesso que não me recordo completamente dessa parte, estava ansioso demais para me concentrar em trivialidades. Parti então para a estrada que ficava atrás dos bambuzais, ali, do lado de um posto de gasolina, se encontrava o restaurante mais popular do instituto local. Ordenei as peças orgânicas naquele tabuleiro reluzente e me sentei em uma mesa com desconhecidos que me conheciam. Vi então que na fila estava a alfa do dia anterior, que coincidência agradável! Meu espírito seria poupado do flagelo amargo da espera e poderia ter ali mesmo a aproximação perfeita para concluir esse ciclo de agonia que já perdurava por tantos anos. Infelizmente, parecia que eu tinha um compromisso maior com os enigmáticos desconhecidos. Apressados, me fizeram sair do local sem poder realizar os protocolos sociais pertinentes. Foi um misto de alívio e desconforto. Maior ainda foi a dúvida se aquela alfa me reconheceria depois de tantos anos. Quando retomei a consciência já estava no interior de uma máquina azul esverdeada que nos guiava a uma velocidade um pouco inquietante. A curiosidade e a vontade de viver o resto desse conto não foram mais fortes que o calor e a hora avançada do dia, que, involuntariamente, me repeliram para fora da caverna.
Cicatrizes.
Quando as escadas finalmente acessaram seu andar elas foram capazes de trazer o que ele finalmente precisava. O telegrama escrito através de protocolos digitais lhe indicou o caminho para apanhar um pacote que ele não tinha notícias há anos. O que havia dentro do mesmo ainda era uma incógnita incômoda, intrigado com o fato, achou que se tratava de alguma armadilha para dilacerar sua razão. Estava certo. No caminho lembrou-se da sala, do vento, das promessas e da gélida sensação que estava prestes a sentir, refletiu então que não se deparava com isso como antigamente. Ao receber a encomenda levou-a para seu poleiro. Passou horas analisando sua embalagem, florida, desbotada, delgada e proprietária de uma beleza duvidosa. As coisas que estavam escritas sobre sua superfície o impressionaram, eram exatamente tudo que ele desejava ler, harmoniosamente organizadas para lhe seduzir. Ficou confuso e receoso, pois o conteúdo daquele embrulho poderia ser exatamente o que lhe faltava. Mas como teria certeza? Como poderia ter a garantia que ali estava exatamente o que ele buscava? Impaciente com esse embaraço, resolveu fazer o que até então não lhe parecia óbvio, abriu aquela caixa que se prostrava inofensiva e ficou atônito com o que testemunhou. O que preenchia seu interior era seu coração. Estava em sua forma mais intensa, acolhedora e atraente. Mesmo fora do seu peito não parava de pulsar e jorrar para todos os lados seu fluido vital, desafiando-o a toma-lo de qualquer modo. Nunca havia assistido à um espetáculo tão colossal, mas da mesma forma improvável que sua chocante presença havia se revelado, ele se foi. Seu coração partiu misteriosamente deixando apenas um rastro de sangue e saudades. Sua reação? Simples. Correr vorazmente na direção do outro horizonte.
sábado, 23 de fevereiro de 2013
Besouros.
Ninguém se isentou da condenação naquele dia em que a criatura passou a ser inanimada. Pobre dela, única e desabitada de sua própria essência. Então, os habitantes da localidade se perguntam: por que tão dura pena aos alheios? Justiça divina? Um acerto de contas cósmico, que tenta desesperadamente conduzir o universo ao equilíbrio? Ou seria unicamente mais um dos misteriosos acasos desse enigmático e compungido caminho? Não, não se tratam de mistérios, acasos ou enigmas, menos ainda do vangloriado equilíbrio natural dos sistemas. Nada pode ser proprietário da natureza da verdade absoluta, a ponto de nos indicar com tamanha precisão, as causas e efeitos de algo que é incompreensível e infinito. Por que é exatamente assim, recheadas da incompreensão e das possibilidades sem fim, que se definem as combinações biológicas magistradas nesse cenário. A petulância das conclusões das teses elaboradas com tal intuito causa náuseas ao sóbrio bom senso. E parece que tudo que nos resta é sempre o sim ou o não. Quanto ao castigo imposto aos alheios, eles foram condenados a serem iguais entre si, indiferentes com o próximo e por consequência, incapazes de modificar suas circunstâncias.
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
Gaiola de cimento.
Preferia os tempos de escuridão, quando o chão frio se transformava em um leito majestoso, a música carregava os cânticos de insetos alucinados, acompanhados por máquinas voadoras e da fluidez psicodélica das mentes afetadas por uma enfermidade chamada imaginação. Tudo isso acompanhado por uma refeição absoluta. Como entrada o delgado tabu condimentado a ferro e fogo, que repentinamente nos conduzia a um mergulho misterioso a recantos recheados de lampejos belos ou complexos, mas essencialmente satisfatórios. Como prato principal a simples e prolongada reflexão. Para brindar essa etapa temporal impar, uma ou duas taças gélidas da inveterada poção que abala os espíritos já flagelados por seus senhores. E antes que tudo acabasse, uma dose da aclamada cafeína.
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
Saudade sem fim.
O sossego sem preço, o amanhecer radiante, as areias pálidas, a água gelada, o calor ardente, o cansaço aprazível, o banho delongado, a refeição tônica, o descanso na rede, o papo furado, a busca por gente, as risadas estridentes, os jogos fugazes, a correria contínua, o mergulho lúbrico, as companhias exatas, a brisa suave, o frio passageiro, a noite que chega, a volta na volta, as ondas rompentes, a filosofia ideal, a presença hipnótica, o afago deleitoso, os sopros uivantes, a noite constelada, a madrugada vivaz, o sono capital, em um oásis distante, a saudade sem fim.
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