Com o corpo coberto por farrapos e na companhia de
moribundos, peregrinei para o meu passado na tentativa desesperada de lavar a
tez corrompida da minha alma. Atravessei dezoito constelações, visitei oito
vilarejos e sonhei com o momento em que meu espírito se inundaria com a
presença não tão mais necessária, mas que ainda pairava em meu imaginário. Guiado
pelo arrebol pulsante que preenchia de esperança o coração dos vivos,
contemplei novamente o espaço que abandonei na digna intenção de buscar
caminhos intensos, vívidos e apaixonantes. Orgulhoso por terminar essa jornada,
caminhei ao encontro das geradoras de gerações. Com elas tive pouco tempo para compartilhar
os contos do outro lado. Sem mais delongas, fui me afogar na falta de
propósito. Esse sim é o verdadeiro ato primordial de nossa natureza. Então, quando
já estava em outra dimensão, quando já não havia mais indivíduos, quando o
tempo já não se contabilizava, quando a penumbra deu lugar aos cânticos místicos,
eu tive uma visão. Diante dos meus olhos surgiu uma estátua, ela estava sentada, tinha em sua mão esquerda uma pequena e ameaçadora porção de enfermidade, sua postura era ereta, clássica,
suas pernas estavam cruzadas apontando para uma direção diferente do resto do
seu corpo, como um relógio que marca duas horas, sua outra mão era usada como
um apoio para o corpo, posicionada atrás de suas nádegas, e seu olhar estava
fixo, mirando um portal de luzes variadas que se abriu diante dela. Posteriormente, com sua superfície composta por odor e textura de carvalho, a estátua se ergueu diante de mim e me
convidou a penetrar em sua mente. Evitei fitar seus olhos com medo de não ser
mais capaz de vislumbrar outras paisagens, mas não foi possível. Não pude
identificar de que material seus globos oculares eram feitos, sei que não eram
nem de pedra, nem de madeira. Fui sugado em direção à identidade congelada e
distante daquele monumento. Encontrei ali um jardim proibido. Existiam lá inúmeras
árvores e outras estátuas de formas variadas e até sedutoras. Tive a oportunidade
de conversar com um dos jardineiros responsáveis pela limpeza do local, ele me
contou que ali residia uma pequena criatura, que vive correndo pelo local, se
alimentando de liberdade e curiosidade. Minha vontade de conhecer o tal ser, não podia ser maior. Vaguei por algumas horas, me banhei em um lago de
desejo, devorei frutas suculentas e por fim encontrei a toca em que vivia a misteriosa entidade. Chamei-a duas vezes, ela logo apareceu. Ao me ver, pude identificar
um sorriso convidativo, que foi seguido por uma disparada buraco adentro, a
toca se estendia por quilômetros, a segui o mais rápido que pude. Chegamos a um
ponto onde meu corpo não cabia por inteiro, ali aquela pequena presença se sentou calmamente, tomando uma
distância de segurança, distância essa que mesmo se eu esticasse meus braços o
máximo que pudesse não a alcançaria. Então, diante dos meus olhos, a pequena criatura se transfigurou em uma rosa intensamente vermelha, de
seu caule esverdeado escorria uma seiva incolor, mas de um perfume excessivamente atraente, suas duas folhas que pendiam lateralmente, eram aveludadas e proprietárias de uma delicadeza
provocante. Não conseguia me controlar. Lutei para tentar alcançar aquele
vegetal tão belo e vistoso, estava além do limite da racionalidade, era algo
visceral, instintivo, animal, intenso, necessário. Não importava o quanto eu
tentasse meu tamanho era demais para aquele estreito orifício subterrâneo. Depois
de dias em uma incansável e inútil empreitada, restou-me a contemplação, e foi
isso que fiz. Adormeci ao lado daquela flor e quando acordei já não estava mais
naquele local, não havia mais jardim, nem estátua, nem meu passado, nem meu
futuro, somente a paixão confusa pela ausência da presença que não era mais
necessária. De volta a realidade.
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