segunda-feira, 24 de junho de 2013

Adiante.

Esse foi o fim. Sentado na beira de um penhasco, olhando o horizonte, uma bela vista por sinal, refletia calmamente sobre os últimos e pesarosos eventos de minha ligeira existência. Decidi  dar cabo naquele sofrimento, me levantei e posicionei os dois pés com suas metades para fora do limite do abismo que se abria abaixo de mim. Fechei os olhos. Vi uma revoada de pássaros enormes que carregavam em seus bicos chaves douradas. Para aonde eles iam? Senti a terra tremer e atrás de mim um túnel de cores brilhantes surgiu como um trem e me envolveu naquele redemoinho de pânico como um turbilhão causado por ondas marítimas revoltas. Um eco se ouviu naquele local. Nas paredes desse túnel tive a visão de estranhos andando em ruas estreitas, seus rostos não eram dotados de olhos, bocas ou narizes, mas em alguns eu podia contemplar uma face conhecida. Tive medo. O eco estava mais forte. Do chão brotou um gramado espesso, dono de um verde muito escuro, e logo me vi perseguindo coelhos brancos, todos muito parecidos, porém seus olhos eram de formatos e cores variadas. Procurava por um específico, de olhos pequenos e totalmente avermelhados. Não o achei. O túnel voltou a me envolver. Fui guiado então até uma praia. O tempo estava instável, com cara de chuva, mas mesmo assim queria muito entrar no mar. Vi um grande amigo se aproximar na companhia de outras pessoas, não queria a companhia de ninguém, estava ali para ficar sozinho e comungar aquele momento somente com a manifestação agressiva que se fazia presente nas ondas daquela praia. Porém antes mesmo que eu pudesse correr em direção ao mar para evitar aquele confronto social, fui abordado pela presença irradiante de um dos mais belos fenômenos da natureza que eu já havia visto. Não há forma de ser justo com aquela forma. Posso somente dizer que fui guiado sem perceber até as águas agitadas do oceano e lá fiquei por um período razoável, o suficiente para ver meus dedos enrugados. Sem aviso prévio o mar secou e se tornou um deserto. Não compreendi o que havia acontecido, nem com aquela massa de água colossal, nem com os outros seres que estavam por perto, tudo sumiu. Meus olhos agora estavam cansados, como os olhos de um moribundo que não dorme há dias, eu os sentia inchados, como quando acordamos de horas seguidas de sono. Novamente o túnel me envolveu. Dessa vez o eco era ensurdecedor. Tapei os ouvidos em uma tentativa inútil de abafar aquele som. Era algo vocalizado. Eram pessoas. Se fosse uma única pessoa, certamente seria um som suave, mas eram todas as pessoas do mundo, as que estavam vivas e as que já estiveram. Fiquei ensandecido. Parece-me que isso durou algumas horas, já não tinha mais condições de quantificar o tempo. Vi então diante de mim, brotar do chão, uma enorme mão, primeiro os dedos, depois a palma e por fim o pulso. O som intenso parou. A mão pendeu para trás e abriu os dedos o máximo que pode, acima, no firmamento, um dos pássaros enormes que tinham pairado sobre mim deixou a chave que carregava em seu bico cair, acertando o centro daquele membro gigantesco. Com destreza ímpar a chave dourada foi posicionada entre o polegar e o indicador da mão, ela se aproximou com cautela do meu peito e fez a chave me tocar, senti um ardor mortal, vociferei um urro de dor, eu mesmo me estremeci com o desespero contido naquele brado. Meu peito se abriu ao meio, eu tentava em vão, segurar as duas metades de mim que se separavam para evitar aquele espetáculo de horror, mas não importava quanta força fizesse nada adiantava. Então de dentro de mim saiu meu coração, esplêndido, de um vermelho vívido, pulsante e proprietário de um vigor descomunal. Ali, naquele momento, não tive dúvidas e entendi exatamente o que devia fazer. Em um piscar de olhos, vi novamente o horizonte que imperava naquele penhasco, meus pés ainda estavam com suas metades para fora do limite do desfiladeiro. Respirei fundo, dei meia volta e caminhei em direção à vida para doar a quem merecesse o melhor de mim.

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