Ao avistar uma caverna algo me dominou, caminhei para seu interior para me deparar com um sonho dentro de um sonho. Ali estava em exibição um elefante grandioso, ajoelhado e decapitado. Andando por uma avenida em uma cidade do interior, me deparei com a mesma cena, só que dessa vez a criatura já estava em estado avançado de decomposição, o cheiro não incomodava, mas a enorme poça de sangue já coagulado naquele chão de terra batida era perturbadora. Não tive trabalho para convencer a multidão de que já havia testemunhado aquele fato em outra dimensão. Segui adiante sozinho e ao olhar para meu lado, vi que estava, na verdade, acompanhado por quem me ofertou a existência. Adentramos de mãos dadas em um templo branco e chorei diante de uma indulgência milenar enquanto cânticos serenos eram entoados e ecoados por todo o ambiente. Depois desse cansaço todo, a melhor opção foi uma ceia farta, uma das minhas favoritas, diga-se de passagem. Ao entender que haveria escassez, separei em uma bandeja de prata elementos que seriam consumidos por meus amados, infelizmente o egoísmo dos indivíduos presentes impossibilitou que meus planos se concretizassem. Irado, resolvi me alimentar sozinho, em outro lugar. Explorando os outros ângulos daquela viela relativamente familiar, encontrei o ambiente perfeito, uma arejada e isolada varanda lateral de uma oca abandonada. Cuidadosamente organizei aquele espaço, rede esticada entre duas pilastras e uma mesa de madeira tosca posicionada ao meu lado, coexistindo como a companhia ideal. Entre as minhas iguarias vi que faltava uma, frustrado, percebi que aquele ritual não seria completado com sucesso sem esse elemento úmido e de sabores e texturas variadas. Fui buscá-lo. Na volta, encontrei um velho conhecido que estava segurando um cão feroz em suas mãos, ele sorriu para mim e regurgitou algumas palavras incompreensíveis. A fome, no entanto, não me deu ao luxo de interpretar aquele código linguístico, era como se alguém estivesse socando com brutalidade meu estômago. Corri para minha rede lutando para equilibrar meu banquete. Cheguei ao local, mas para minha surpresa havia chamado muita atenção e já não estava mais sozinho. Pelo menos não tomaram meu lugar, a rede estava salva. Uma das pessoas era uma menina que se queixava pelo fato de sua morada ter sido tomada por água e lama na última noite, tive a visão exata dela se arrastando naquele líquido barrento em seu quarto, que mais parecia um brejo. Mandei então uma mensagem para a alfa que eu não sabia onde estava, e ela me respondeu via sinais eletrostáticos, que viria até mim após o crepúsculo, talvez para assistir novamente ao espetáculo astronômico nas areias locais e consumar o ato final de nossa apresentação. Por algum motivo escuso a parcialidade genética mais nova da minha tribo não se recolheu e acabou impedindo meu júbilo carnal. No dia seguinte, remarquei com a alfa para o mesmo período. Alguma reunião atípica aconteceu na minha sala de estar e até uma presença incomum, e por muitas vezes indesejada, estava lá. Se me conheço bem questionei aquilo, mas confesso que não me recordo completamente dessa parte, estava ansioso demais para me concentrar em trivialidades. Parti então para a estrada que ficava atrás dos bambuzais, ali, do lado de um posto de gasolina, se encontrava o restaurante mais popular do instituto local. Ordenei as peças orgânicas naquele tabuleiro reluzente e me sentei em uma mesa com desconhecidos que me conheciam. Vi então que na fila estava a alfa do dia anterior, que coincidência agradável! Meu espírito seria poupado do flagelo amargo da espera e poderia ter ali mesmo a aproximação perfeita para concluir esse ciclo de agonia que já perdurava por tantos anos. Infelizmente, parecia que eu tinha um compromisso maior com os enigmáticos desconhecidos. Apressados, me fizeram sair do local sem poder realizar os protocolos sociais pertinentes. Foi um misto de alívio e desconforto. Maior ainda foi a dúvida se aquela alfa me reconheceria depois de tantos anos. Quando retomei a consciência já estava no interior de uma máquina azul esverdeada que nos guiava a uma velocidade um pouco inquietante. A curiosidade e a vontade de viver o resto desse conto não foram mais fortes que o calor e a hora avançada do dia, que, involuntariamente, me repeliram para fora da caverna.
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