quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Do poeta.


Não.
Não escondo.
Não escondo sentimentos.
Não escondo sentimentos ordinários.
Não escondo sentimentos ordinários, verbalizo.
Não escondo sentimentos ordinários, verbalizo vulgarmente.
Não escondo sentimentos ordinários, verbalizo vulgarmente as conjunturas.
Não escondo sentimentos ordinários, verbalizo vulgarmente as conjunturas pertinentes.
Não verbalizo as conjunturas ordinárias vulgarmente escondidas em sentimentos pertinentes.
Não verbalizo as conjunturas ordinárias vulgarmente escondidas em sentimentos.
Não verbalizo as conjunturas ordinárias vulgarmente escondidas.
Não verbalizo as conjunturas ordinárias vulgarmente.
Não verbalizo as conjunturas ordinárias.
Não verbalizo as conjunturas.
Não verbalizo.
Não.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Fluído.


Estava sentado em um sofá na praia quando as velas se apagaram. Ouvi sua respiração e corri para os esgotos quando algo ecoou no céu.  Um inseto voador pousou no meu doce prazer e me fez ter ódio do concreto das imediações. Em um domingo de verão tive tempo para devorar os roedores que tentavam correr para suas tocas. Fui gratificado com uma máquina de cigarros por não ter deixado as esperanças escorrerem para outros domínios astrológicos. Se tudo o que é preciso se limita à mera interação entre os indivíduos da mesma laia, prefiro me recolher e ter em minha mão, uma boa dose do meu singelo fluído.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Amphibia-Bovinae.

Sua couraça é empapada por um óleo fétido que deixa um rastro tenebroso por onde passa, por toda sua superfície se encontram protuberâncias asquerosas e assustadoras. Quando vocaliza suas vontades elas causam desespero e agonia a todos que estão em sua volta. Sua língua tem a habilidade de sufocar qualquer ser vivo em efêmeros segundos. Esbraveja insanamente ao menor indício de paz, o que, por sinal, considera como algo perturbador e dispensável. É dono de um egoísmo sem igual, além de sentir um prazer orgástico em despedaçar os aspectos psíquicos de quem ou o que atravessa seu caminho. Odeia carregar os mesmos fardos que, constantemente, impõe às outras criaturas. Ridiculariza e faz de tudo para impor sua ilusória superioridade aos que, por alguma falta de fortuna, tem-lhe por perto. Como companheira foi-lhe eleita uma serpente que, originalmente, tinha em mente devorá-lo vivo para saciar suas ambições. No entanto, a criatura ficou tão enorme, que não podia mais atravessar a mandíbula móvel do réptil vil. Seu grande mentor é um abutre albino, que nos dias de hoje, ainda sobrevoa sua cabeça, a fim de confiscar  suas torpes conquistas e deixar-lhe apenas migalhas, o que aceita com prazer, pois não há nada mais importante para si do que a subserviência ao seu mestre. Dizem que existem algumas crias de natureza variada, que de tempos em tempos são condenadas a purgarem em companhia desse ser maldito. Mas nada tão fatídico quando o destino do ofídio que, querendo ser maior do que podia, acabou viciado no sofrimento imposto pela companhia do temível Sapo-Boi. 

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Na caverna.

Ao avistar uma caverna algo me dominou, caminhei para seu interior para me deparar com um sonho dentro de um sonho. Ali estava em exibição um elefante grandioso, ajoelhado e decapitado. Andando por uma avenida em uma cidade do interior, me deparei com a mesma cena, só que dessa vez a criatura já estava em estado avançado de decomposição, o cheiro não incomodava, mas a enorme poça de sangue já coagulado naquele chão de terra batida era perturbadora. Não tive trabalho para convencer a multidão de que já havia testemunhado aquele fato em outra dimensão. Segui adiante sozinho e ao olhar para meu lado, vi que estava, na verdade, acompanhado por quem me ofertou a existência. Adentramos de mãos dadas em um templo branco e chorei diante de uma indulgência milenar enquanto cânticos serenos eram entoados e ecoados por todo o ambiente. Depois desse cansaço todo, a melhor opção foi uma ceia farta, uma das minhas favoritas, diga-se de passagem. Ao entender que haveria escassez, separei em uma bandeja de prata elementos que seriam consumidos por meus amados, infelizmente o egoísmo dos indivíduos presentes impossibilitou que meus planos se concretizassem. Irado, resolvi me alimentar sozinho, em outro lugar. Explorando os outros ângulos daquela viela relativamente familiar, encontrei o ambiente perfeito, uma arejada e isolada varanda lateral de uma oca abandonada. Cuidadosamente organizei aquele espaço, rede esticada entre duas pilastras e uma mesa de madeira tosca posicionada ao meu lado, coexistindo como a companhia ideal. Entre as minhas iguarias vi que faltava uma, frustrado, percebi que aquele ritual não seria completado com sucesso sem esse elemento úmido e de sabores e texturas variadas. Fui buscá-lo. Na volta, encontrei um velho conhecido que estava segurando um cão feroz em suas mãos, ele sorriu para mim e regurgitou algumas palavras incompreensíveis. A fome, no entanto, não me deu ao luxo de interpretar aquele código linguístico, era como se alguém estivesse socando com brutalidade meu estômago. Corri para minha rede lutando para equilibrar meu banquete. Cheguei ao local, mas para minha surpresa havia chamado muita atenção e já não estava mais sozinho. Pelo menos não tomaram meu lugar, a rede estava salva. Uma das pessoas era uma menina que se queixava pelo fato de sua morada ter sido tomada por água e lama na última noite, tive a visão exata dela se arrastando naquele líquido barrento em seu quarto, que mais parecia um brejo.  Mandei então uma mensagem para a alfa que eu não sabia onde estava, e ela me respondeu via sinais eletrostáticos, que viria até mim após o crepúsculo, talvez para assistir novamente ao espetáculo astronômico nas areias locais e consumar o ato final de nossa apresentação. Por algum motivo escuso a parcialidade genética mais nova da minha tribo não se recolheu e acabou impedindo meu júbilo carnal. No dia seguinte, remarquei com a alfa para o mesmo período. Alguma reunião atípica aconteceu na minha sala de estar e até uma presença incomum, e por muitas vezes indesejada, estava lá. Se me conheço bem questionei aquilo, mas confesso que não me recordo completamente dessa parte, estava ansioso demais para me concentrar em trivialidades. Parti então para a estrada que ficava atrás dos bambuzais, ali, do lado de um posto de gasolina, se encontrava o restaurante mais popular do instituto local. Ordenei as peças orgânicas naquele tabuleiro reluzente e me sentei em uma mesa com desconhecidos que me conheciam. Vi então que na fila estava a alfa do dia anterior, que coincidência agradável! Meu espírito seria poupado do flagelo amargo da espera e poderia ter ali mesmo a aproximação perfeita para concluir esse ciclo de agonia que já perdurava por tantos anos. Infelizmente, parecia que eu tinha um compromisso maior com os enigmáticos desconhecidos. Apressados, me fizeram sair do local sem poder realizar os protocolos sociais pertinentes. Foi um misto de alívio e desconforto. Maior ainda foi a dúvida se aquela alfa me reconheceria depois de tantos anos. Quando retomei a consciência já estava no interior de uma máquina azul esverdeada que nos guiava a uma velocidade um pouco inquietante. A curiosidade e a vontade de viver o resto desse conto não foram mais fortes que o calor e a hora avançada do dia, que, involuntariamente, me repeliram para fora da caverna.

Cicatrizes.

Quando as escadas finalmente acessaram seu andar elas foram capazes de trazer o que ele finalmente precisava. O telegrama escrito através de protocolos digitais lhe indicou o caminho para apanhar um pacote que ele não tinha notícias há anos. O que havia dentro do mesmo ainda era uma incógnita incômoda, intrigado com o fato, achou que se tratava de alguma armadilha para dilacerar sua razão. Estava certo. No caminho lembrou-se da sala, do vento, das promessas e da gélida sensação que estava prestes a sentir, refletiu então que não se deparava com isso como antigamente. Ao receber a encomenda levou-a para seu poleiro. Passou horas analisando sua embalagem, florida, desbotada, delgada e proprietária de uma beleza duvidosa. As coisas que estavam escritas sobre sua superfície o impressionaram, eram exatamente tudo que ele desejava ler, harmoniosamente organizadas para lhe seduzir. Ficou confuso e receoso, pois o conteúdo daquele embrulho poderia ser exatamente o que lhe faltava. Mas como teria certeza? Como poderia ter a garantia que ali estava exatamente o que ele buscava? Impaciente com esse embaraço, resolveu fazer o que até então não lhe parecia óbvio, abriu aquela caixa que se prostrava inofensiva e ficou atônito com o que testemunhou. O que preenchia seu interior era seu coração. Estava em sua forma mais intensa, acolhedora e atraente. Mesmo fora do seu peito não parava de pulsar e jorrar para todos os lados seu fluido vital, desafiando-o a toma-lo de qualquer modo. Nunca havia assistido à um espetáculo tão colossal, mas da mesma forma improvável que sua chocante presença havia se revelado, ele se foi. Seu coração partiu misteriosamente deixando apenas um rastro de sangue e saudades. Sua reação? Simples. Correr vorazmente na direção do outro horizonte.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Besouros.

Ninguém se isentou da condenação naquele dia em que a criatura passou a ser inanimada. Pobre dela, única e desabitada de sua própria essência. Então, os habitantes da localidade se perguntam: por que tão dura pena aos alheios? Justiça divina? Um acerto de contas cósmico, que tenta desesperadamente conduzir o universo ao equilíbrio? Ou seria unicamente mais um dos misteriosos acasos desse enigmático e compungido caminho? Não, não se tratam de mistérios, acasos ou enigmas, menos ainda do vangloriado equilíbrio natural dos sistemas. Nada pode ser proprietário da natureza da verdade absoluta, a ponto de nos indicar com tamanha precisão, as causas e efeitos de algo que é incompreensível e infinito. Por que é exatamente assim, recheadas da incompreensão e das possibilidades sem fim, que se definem as combinações biológicas magistradas nesse cenário. A petulância das conclusões das teses elaboradas com tal intuito causa náuseas ao sóbrio bom senso. E parece que tudo que nos resta é sempre o sim ou o não. Quanto ao castigo imposto aos alheios, eles foram condenados a serem iguais entre si, indiferentes com o próximo e por consequência, incapazes de modificar suas circunstâncias. 

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Gaiola de cimento.

Preferia os tempos de escuridão, quando o chão frio se transformava em um leito majestoso, a música carregava os cânticos de insetos alucinados, acompanhados por máquinas voadoras e da fluidez psicodélica das mentes afetadas por uma enfermidade chamada imaginação. Tudo isso acompanhado por uma refeição absoluta. Como entrada o delgado tabu condimentado a ferro e fogo, que repentinamente nos conduzia a um mergulho misterioso a recantos recheados de lampejos belos ou complexos, mas essencialmente satisfatórios. Como prato principal a simples e prolongada reflexão. Para brindar essa etapa temporal impar, uma ou duas taças gélidas da inveterada poção que abala os espíritos já flagelados por seus senhores. E antes que tudo acabasse, uma dose da aclamada cafeína.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Saudade sem fim.

O sossego sem preço, o amanhecer radiante, as areias pálidas, a água gelada, o calor ardente, o cansaço aprazível, o banho delongado, a refeição tônica, o descanso na rede, o papo furado, a busca por gente, as risadas estridentes, os jogos fugazes, a correria contínua, o mergulho lúbrico, as companhias exatas, a brisa suave, o frio passageiro, a noite que chega, a volta na volta, as ondas rompentes, a filosofia ideal, a presença hipnótica, o afago deleitoso, os sopros uivantes, a noite constelada, a madrugada vivaz, o sono capital, em um oásis distante, a saudade sem fim.