Ali estava ela, sentada na janela, olhando o fim do mundo,
como se houvesse alguma novidade naquilo.
Uma ou duas companhias já seriam suficientes para tapar o buraco que
havia no meio do quarto. Compartilhar uma ideia original, uma piada sem graça,
ou mesmo um pensamento idiota já seriam uma novidade para a semana exaustiva que
ainda estava por vir. As olheiras profundas não deixavam dúvidas de que o
cansaço era seu maior inimigo. Mas cansaço de que? Pergunta tão fácil de ser
respondida que ela nem se dava o trabalho de refletir sobre o assunto. Viu um
gato caminhar pelo telhado vizinho e pensou que o bichano podia virar um pombo,
voar até o outro prédio, se transformar em aranha, pegar um clarinete
emprestado com o garoto que dormia, tocar Coltrane e encher o saco da
vizinhança. Riu do próprio devaneio. Tomou um farto gole d’água da garrafa de plástico vagabundo que estava ao seu lado. Viu que não havia estrela no
céu, normalmente já era difícil de ver alguma, mas as nuvens que cobriam a
noite impossibilitavam a aparição dos astros. Teve saudades do interior. Os olhos
estavam cada vez mais pesados. Se não tivesse aquele compromisso desagradável
na manhã seguinte ia ver algum filme besta na televisão, esses mal dublados de
fim de noite. Olhou para o relógio e contou quantas horas iria dormir se
pegasse no sono naquele exato instante. Ouviu uma sirene e refletiu que não
queria estar na rua, mas seu atual abrigo também não era o que desejava. Lembrou-se
do almoço. Ficou imaginando quantas pessoas estariam acordadas àquela hora,
pensando que deveriam estar dormindo. Na verdade, ela também estava perdida nessa ideia. Foi escovar os dentes e matou um mosquito no corredor. Escolheu
a última música da noite com muito cuidado, o processo levou sete minutos e
atrasou seu sono em pelo menos vinte e oito. A última música nunca é a última,
não resistiu, ouviu mais cinco. Olhou de novo para o relógio. Não ficava mais
desesperada, a rotina já havia lhe anestesiado. Desligou o som, se benzeu,
deitou-se com a barriga para cima, olhou para a penumbra que se formava em seu
quarto, respirou fundo, seus olhos se fecharam lentamente e pouco antes de pegar no
sono, chorou em silêncio.
Eu!
ResponderExcluirUm pouco de todos nós.
ExcluirSeja sempre bem vindo(a).