terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Oco.

Eu sou só uma segunda opção. Uma massagem ao ego. Um levante à auto estima. Alguém para ser lembrado na carência. Alguém para suprir atenção. Não alguém para ser levado em consideração. Muito pelo contrário. Alguém para ser desconsiderado nos momentos mais íntimos, mais intensos, mais verdadeiros. Eu sou a sobra. Sou o dispensável, e ainda assim aquele que é procurado para atender a necessidade básica da satisfação em se sentir especial. Sou usado, utilizado, descartável. Oportuno, adequado, conveniente. Nunca uma escolha, nunca uma opção, simplesmente uma lembrança, uma passagem, um momento, um alívio do cotidiano. Agora, todas as minhas esperanças estão em conjunções alheias, enquanto eu, coberto por gelo, lamento, reflito, e vejo a melancolia diante de mim. Aceitável ou não, a realidade é única, é tangível, é palpável, é cruel, é verdade. Aquele que nunca será, ou que antes de ser, sofrerá por não ser. Impossível de relevar, impossível de aceitar, de se contentar. Todo meu coração está aberto, diante de tudo, de todos, exposto, explícito, apesar dos alertas, aqui está, pulsa, sangra, sofre, por mim, e só por mim. Isso, e muito além disso, está sozinho. A reciprocidade é um conceito turvo e longínquo, que não encontra paralelismo ou correspondência, pois o que sinto é só meu. Solitário. Secundário. Dispensável. O que eu acho que vou ter? O que eu acho que será correspondido? A resposta é nada. Eu sou um nada. Eu sou o vazio e o eco desse vazio. Eu sou entregue ao meu amor, ao amor que eu sinto e que eu entrego. Eu sou sentimento. E eu sou o sentimento que as pessoas usam, não que as pessoas correspondem. Eu sou nada, novamente, um refúgio, mas também um refugo. Dispensável, insignificante, irrelevante.

Encontrado em uma tarde de chuva.

Sou um mero espectador do tempo, vivendo em um mundo onde tudo é turvo e distante, como em um desses sonhos que temos quando o sono é leve e superficial, e que nunca é possível distinguir o que é real e o que é mera armadilha do imaginário, esperando e aguardando ansiosamente um  susto para me despertar dessa caminhada ilusória, atemporal, frígida.

domingo, 25 de agosto de 2024

Um projétil.

É muito difícil lhe dar com o sentimento de rejeição intenso que eu estou passando neste momento. Eu me sinto perdido, desorientado, revisitando o passado como se ele pudesse ser modificado somente pela minha vontade das coisas terem sido diferentes. Infelizmente tudo se construiu para que os fatos fossem exatamente como eles foram e para que o contexto atual fosse exatamente como ele é. Eu tenho uma dor dentro de mim que não vai embora. É a solidão, é o sentimento de insuficiência, é a tristeza de ter sido trocado e substituído. De ter sido humilhado e ter sido exposto e vitimado à atos de covardia. Quando eu penso em tudo, me pergunto constantemente, por que fui odiado dessa maneira. Eu tentei oferecer amor, tentei me esforçar para buscar mudanças, mas nunca vi ou percebi os atos recíprocos que esperava. Eu errei também. Isso certamente contribuiu para que eu perdesse nossa relação. Fui imaturo, talvez sonhador demais, iludido e não prático, principalmente quando a vida pedia isso. Tomei ações certas, mas com estratégias erradas, certamente isso minou também o sentimento que havia ali. Me pergunto muito sobre quando você deixou de me amar, quando você olhou para mim e percebeu que não havia mais sentimento, pelo menos não o sentimento de amor passional. Que melancolia dolorida sinto agora. Não há resposta em nenhum lugar que eu procure, apesar delas existirem. Eu sinto a sombra do passado sempre presente em mim, e eu tenho ainda uma tendencia a perceber somente as projeções boas que essas sombras trazem. Mas eu me lembro sim das crueldades, da ausência sutil, do desprezo pelos meus carinhos, do desdém pelas minhas ofertas constantes de amor e paixão. Eu sempre achei que você não sabia comunicar essa linguagem pela dificuldade que você teve na sua trajetória em recebê-la,  sobretudo no seu crescimento e criação, mas hoje tenho minhas dúvidas. Não sei se é isso, ou se você se cansou rápido demais de mim, ou se as decepções foram grandes a ponto de matar qualquer chance desse traço se manifestar.  Eu nunca amei ninguém do jeito que te amei, e achei que nosso companheirismo seria eterno, constante e pautado no prazer imenso da nossa companhia. Mas novamente eu estava errado, e hoje o que há em mim é a certeza da insuficiência. Eu não fui o bastante, eu não sou o bastante. Me sinto apequenado, abatido, reduzido a algo insignificante, indigno de amor. Me sinto conveniente e útil, uma peça para uso, somente. Tenho um buraco em mim. Eu estou perdido, e talvez isso também tenha sido motivo para você querer se afastar. Inconscientemente você não se sentiu segura ao meu lado. Fora tantas outras coisas. Hoje eu acho que no seu íntimo, você quer que eu saia da sua vida. Você quer que eu seja só uma memória, e que eu não traga à tona nenhuma razão para você ter culpa pelas coisas que aconteceram. Mas eu não errei sozinho. Hoje eu sei que nunca mais aceitarei nenhum mero sinal ou intenção se quer de humilhações ou ainda tolerarei nenhum mínimo ato de covardia contra mim, e sei também que entregarei tudo a quem quer que eu ame daqui para frente. Amor, respeito, consideração, companheirismo, segurança, tudo. Mas enquanto esse amor não chega, eu tento te esquecer, e tento sofrer um pouco menos a cada dia, mesmo que estes pareçam não ter fim, sobretudo nessa dor que faz com que o tempo não passe. Essa noite, eu sonhei que morria.

As mulheres da minha vida.

As mulheres da minha vida, que são da minha vida, que passam pela minha vida, que ficam na minha vida, que conturbam minha vida, que inspiram minha vida, que maltratam minha vida, que dão sentido para minha vida, que me constroem em minha vida, que acabam com minha vida. Dia a dia, pouco a pouco, estocadas dadas, uma por vez, para que eu sinta tudo, não de uma vez, e não por ter que ser assim, simplesmente por ser, sempre, antes, durante e muito depois. 

segunda-feira, 19 de junho de 2023

A um passo do abismo.

Novamente me encontro com o tempo. Entorpecido e entre almas alucinadas, sigo com cautela por um solo estéril e melancólico. A tempestade áspera e tórrida que cai sobre nossas cabeças é o anúncio de mais uma jornada lamuriosa que está apenas começando. Encaro com a força que me resta a mesma sequencia de fatos e gestos perversos que são despejados em nossos corpos como uma pilha de entulho que deve ser suportada e digerida a qualquer custo. Em supostos momentos de alívio tenho o privilégio de contemplar o ópio da minha essência que se materializa em uma única natureza, mas não posso desfrutá-lo em paz absoluta, pois imediatamente sou sufocado por dogmas e contrassensos. Um breve intervalo orgânico para meditar. Volto para seguir lutando, caindo e rastejando entre as eternas divisões cíclicas, para que ao fim eu possa ter mais um breve período de fuga. Mesmo sendo extremamente prazeroso o último trago não é o suficiente e eu só consigo desejar mais e mais. Profano meu templo, pois já não há mais nenhuma intenção de prioridades em mim. Escalo para fora desse fosso em busca de mais fôlego, mas só construo novamente em meu imaginário, cenários que nunca viverei. Reflexivo, me aprisiono em um labirinto e acabo caindo em um lapso conturbado e insuficiente. Geralmente, quando meu inconsciente me resgata, ele me revela verdades e desejos adormecidos, e finalmente sou capaz de entender que não importa o trajeto que eu tome, não importa o que o destino guardou para mim, não importa a trilha misteriosa que desponta à minha frente, amanhã, mais uma vez, todos os caminhos me deixarão a um passo do abismo.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Intervalos arenosos.

Enquanto estava afundado nas areias escuras da realidade que não vivemos, presenciei minha identidade em atividades indesejáveis por dispositivos dispensáveis. Eu, um antigo companheiro e sua progenitora, acessamos uma passagem de alta velocidade para chegarmos até um portal que seria capaz de acelerar o tempo e nos levar a um destino que permaneceu desconhecido. Desconhecido, pois no processo, acabamos sendo surpreendidos por uma plataforma elevatória que nos fez ir de encontro com as águas turvas de uma baía, que há muito foi bela, paradisíaca e misteriosa, mas que hoje vive inundada por metais manufaturados, bestas desformes e um coalho de imundices e dejetos produzidos pelos habitantes moribundos de seus arredores. O desespero foi enorme, mas fomos salvos por um ser místico que nos permitiu escalar suas entranhas até estarmos novamente em um local seguro. Houve um intervalo no tempo. Quando recobrei a consciência estava em um carnaval passado, perdido, desnorteado e tentando compreender como havia chegado ali. Nesse local havia uma praia de composição pesada, com ruínas de um passado recente, resultado do abandono e da fúria insaciável da natureza, barracas de madeira podre e alguns figurantes aleatórios. O que me deixou atônito foi a lua que nascia no horizonte marítimo, imponente, amedrontadora, de escala descomunal e dona de um tom escarlate digno de chacinas trágicas executadas por forças superiores a nós. Era um sinal. Em minha companhia naquele momento estava alguém familiar, alguém que pertenceu a dias remotos, que entrou para minha história, mas que hoje só é capaz de ser banhada pela indiferença e pelo descaso que foi cavado com suas próprias atitudes. Em minha consciência não há mais dúvidas que esse resultado isso era inevitável, sobre isso não tenho mais o que falar. Caminhando por ali, embasbacado com o satélite que ronda nosso cotidiano, me deparei com cinco ou seis desocupados, queriam quantias e objetos que nos pertenciam, mas não tinham nada para nos ameaçar. Tentaram nos coagir com um pedaço de borracha similar a um artificio mortal, mas logo percebi a farsa e fui obrigado a devolver as ameaças com gargalhadas e deboches. Depois de alguns momentos em um entrave retórico, do nada, das sombras, como se minha própria imaginação tivesse conjurado aquele fato, surgiu um elemento surpresa carregando consigo um artefato ceifador, em minhas mãos algo semelhante apareceu. Lançamos nossas farpas ígneas em direções opostas, as dele me acuaram, mas não me atingiram, as minhas esfarelaram a caixa superior inventiva daquele individuo. Fugimos do local do imbróglio e ouvimos de longe o soar agudo e característico, que anuncia a chegada dos agentes do apocalipse. Não sei ao certo se foi antes ou depois disso, mas tive um encontro repentino com outra face familiar, essa morou por um período marcante nos meus desejos adolescentes, mas hoje, mal resta a curiosidade perturbadora de saber seu fim. O lençol obscuro que forrava o firmamento se foi repentinamente. Da mesma forma, me encontrei deslizando pelas vielas muito bem conhecidas do ambiente bucólico que vivi as melhores experiências da minha primeira vida. Era um momento radiante, o astro que nos alimenta com vida jorrava toda sua luminosidade naquela paragem, mas ao mesmo tempo, como um paradoxo geográfico, havia um frescor característico de épocas frias e suaves, essa sensação eu não sentia há quase uma década. Meu destino foi uma das tocas avermelhadas que haviam naquela vizinhança, dali saíram componentes amistosos, companheiros de desventuras, bravos, impetuosos e intrépidos. Caminhamos até as águas próximas, testemunhamos uma ressaca feroz, pouco vista, mas muito bem conhecida. No meio da maré, flutuando sem rumo, estava um conjunto de objetos usados para repousos breves e superficiais, desafiando um dos que me acompanhavam prometi uma quantidade monetária absurda, caso ele fosse capaz de trazer até a terra firme os itens que estavam à deriva. Inconsequente como sempre, saiu em disparada ao encontro do gigante devastador. Nadou contra a corrente, não alcançou o que queria, e no fim, só causou risos e preocupações. Os objetos sumiram. Na sequencia reapareceram com outra forma, complementar a anterior, amarelada e agregada em algumas unidades, causando confusão em nossas ideias. A aposta para apanhar esses utensílios foi dobrada. Sem vacilar, o mesmo alucinado partiu em sua busca pela vitória sobre os limites impostos pelas tradições. De nada adiantou novamente. Por um momento ergui minha visão ao infinito anil que repousava pacífico acima de tudo, vislumbrei a beleza etérea e pálida dos elementos que assumem formas coerentes somente em nossas mentes, cerrei os olhos e após inspirar lentamente um ar frio, despertei em uma manhã cinza, em um lugar solitário, para reviver os mesmos momentos de sempre.

Meu mergulho.

E se eu me entregasse? E se eu me conformasse com o mundo em que vivo e mergulhasse de cabeça nessa realidade transitória? E se eu me desapegasse das coisas que hoje eu acho fundamentais e verdadeiras e começasse a caminhar rumo ao mundo que todos vivem? Eu largaria o que faço, teoricamente por prazer, e iniciaria atividades para me agregar mais e mais à rotina determinada pelo sistema. Estudaria as nuanças requeridas para escalar até o cume que me seria determinado, pois há um limite lógico do que se pode ou não fazer nesse estado de subvida. Seria admirado por pessoas que também bebem dessa fonte, viajaria para lugares distantes, para me alimentar de informações pertinentes para poder fazer as engrenagens continuarem funcionando exatamente como o previsto. Acordaria nos mesmo dias, para andar sobre os mesmos calçados, para assistir as mesmas cenas, para proclamar as mesmas orações, para receber em troca disso uma quantidade fixa de algo virtual e convencionado como necessário para sobreviver. Talvez um dia, depois de vinte ou trinta anos, eu estivesse em alguma posição respeitável aos olhos da massa. Me apegaria certamente a alguns prazeres fugazes para poder segurar a onda dessa arrebentação constante, e no fim, tudo sairia como o que sempre foi, é e será para os que vivem assim. Poderia encontrar alegria nisso. Tenho minhas dúvidas. Mas do que adiantaria essa dança toda, se tudo isso não passa de uma realidade transitória? O contra ponto a isso é o desejo de viver algo diferente e me entregar de fato ao que me agrada como tarefas cotidianas. Sempre achei que se tratava de como nos enxergamos e do que valorizamos de fato em nossa jornada. Mergulhar de cabeça nessa convicção é muito mais difícil, pois a plataforma de saída é bem mais alta. Ela esta alocada em um lugar onde muitos gostariam de ir, mas que o senso comum tenta nos convencer que é inalcançável e perigoso. Sedutor para uns, ameaçador para outros. Viver esse risco é desafiar os próprios conceitos enraizados nesse mundo estranho.  Pode ser que no final, esse mergulho se transforme em uma tragédia, pontuada por alguma rocha oculta pelas águas dos sonhos. Uma coisa eu sei, não o fazer é ir contra tudo que acredito, é ir contra quem eu sou, é desistir de ser alguém de fato, e de viver uma realidade transcendente, não transitória. 

sábado, 29 de março de 2014

Sem mais solidão.

Existem coisas que se materializam em nossas vidas e nos preenchem de sentimentos indescritíveis. Apesar da ansiedade pungente por resposta sobre a origem da maioria delas, por muitas vezes, nós não somos perspicazes para desvendarmos esse mistério. Lembro-me bem de uma de nossas conversas em que despretensiosamente comecei a abrir meu coração para você. Foi um dos primeiros momentos que me senti profundamente encorajado a falar de peito aberto e sem medo, de coisas que rondavam e rondam minha mente perturbada e meu coração despendido. Em uma dessas noites tórridas compartilhei com você pensamentos que nunca haviam se consolidado em qualquer espécie de palavra, e que sempre estiveram reclusos nos caminhos tortuosos das minhas reflexões e sentimentos. Confessei a você naquele instante, que o que eu menos desejo para as pessoas é que sobre elas recaia o mesmo sentimento intenso de solidão que vinha me sufocando ao longo da vida. O verdadeiro caráter da solidão nunca é singular. Não lhe compreende simplesmente sua definição denotativa, mas sim toda e qualquer experiência solitária manifestada sobre o rebanho de seres que pairam nesse mundo. A mim, até o presente momento, coube descobrir algumas dessas facetas. Um desses temerosos aspectos que se revelaram para mim, que por sinal nunca achei que fosse me acometer, foi a ausência do amor. Mas depois de tantas idas e vindas essa maldição dolente me atingiu. Passei a crer com tamanha fé nesse meu destino moribundo, que sequei toda esperança que habitava em mim. A mesma esperança que outrora me preencheu de benevolência, paz e retidão, se apagou como uma fogueira extinta em suas pobres brasas e farelos acinzentados. Essa convicção torpe fez com que meu caminho se dispusesse em eventos efêmeros e relações completamente irrelevantes. Fez com que eu acreditasse cada vez mais que meu destino seria a reclusão em mim mesmo, o vazio completo, os prazeres fugazes e a rotina lancinante de uma vida nebulosa. Mas sempre somos surpreendidos. Os aspectos originais que fizeram com que conversas rotineiras se tornassem em um interesse mútuo por nossas individualidades ficarão incógnitos no tempo. Mas como já lhe disse, isso é o que menos importa. O que para mim se manifestou de forma determinante nesse encontro harmonioso, foi a capacidade que encontrei em você de despertar novamente em mim a adormecida e esquecida vontade de seguir em frente, de deixar para trás as mazelas vividas e poder recomeçar tudo, com o espírito revigorado e com o coração restaurado por bons sentimentos. Sentir isso é indescritível. Que a encruzilhada que sentenciou o encontro de nossas almas, nos leve a veredas pacificas, a rincões de felicidade, ao encontro essencial do ser, e que diante disso, por justiça e reconhecimento das forças que regem o universo, você nunca seja assolada pela ausência do amor.

Superação.

A solidão às vezes nos traz algo que raramente encontramos em nosso dia a dia, a serenidade. E a serenidade que esse momento nos traz é a própria resposta para muitas questões que acabam nos deixando aflitos e, por algumas vezes, perdidos. Ela nos confere um caráter peculiar de pensamento, expressado unicamente na capacidade de reflexão. Bem, nesse momento, algumas estradas nos são abertas. Por experiências passadas acabo tendo ciência que devo sempre me lembrar de quem eu sou e do que está guardado dentro de mim, dos meus sentimentos mais superiores, das minhas maiores marcas, do que vem regendo minha vida e me fazendo sempre escolher um desses caminhos. Nem sempre a via mais coerente foi a escolhida, mas em todas elas batalhas necessárias foram travadas. Minhas armas para essas batalhas? Alegria e esperança. Curiosamente, isso jamais foi sedimentado no meu espírito. Por inúmeras vezes os labirintos em que essas bênçãos foram ocultas foram desbravados somente por mim. Estar só nesses momentos nunca tornou essa busca mais fácil. Hoje, porém, sou agraciado pela convicção de que nunca mais vivenciarei esse estado. No meu próprio encontro, recebi outro coração para afastar de mim as angustias e dúvidas que antecedem o momento da escolha por uma nova trilha. Esse novo coração veio junto com uma alma que me ilumina, com palavras que me confortam, com um sorriso que me renova e com uma vida para ser compartilhada. Esse coração veio com um amor que é composto das coisas mais belas que as pessoas são capazes de manifestar. Assim, tenho certeza, que na plenitude desse encontro, a superação sempre estará a um passo.

Em meu jardim.

O que completa nossa essência? Parti em uma busca ávida pela resposta desse tratado filosófico, até então impossível de ser solucionado. Embrenhei-me no emaranhado de possibilidades do universo, contemplei nove sois poentes enquanto vagava por paisagens desconhecidas, foi-me oferecido banquetes e fui festejado pelos que congregam de um passado comum ao meu. Lutei ao lado de amores fraternos construídos pelo tempo e pela embriaguez, testemunhei a distancia imposta entre todos nós, mas nunca me lamentei por isso. Foram-me revelados frutos proibidos nessa jornada, nunca fui alertado sobre esse perigo. Ao experimentar suas texturas tive a alma envenenada e minha face marcada com expressões pesarosas e mórbidas. Nesse processo de experiências peculiares, a manifestação mais sincera do meu ser foi suprimida. Restou-me o silencio e a solidão. Senti-me pela primeira vez abandonado pela vigor da esperança e me convenci aos poucos de que essa longa estrada seria trilhada por um ensaio introspectivo de reflexões turvas e melancólicas. Segui então a curva confusa do meu destino e me convenci que somente um momento que fosse capaz de desviar-se do tempo seria capaz de me salvar. Esse momento chegou. Foi-me revelado então, por profecias deslembradas, que nossa essência se completa em nós mesmos. Parti então novamente em uma jornada, mas dessa vez não em busca de soluções, mas sim em busca de mim mesmo, do meu próprio encontro. Entre tormentas e batalhas sistemáticas contra semelhantes que não me desejavam nada, uma conspiração universal me levou até um jardim. Esse cenário natural era simples, porém emblemático. Localizava-se em uma paragem familiar, era retangular e amplo, cercado por rochas acinzentadas e desgastadas pelo tempo. Era composto apenas por uma grama verde clara, aparada a alguns poucos centímetros de um solo visivelmente fértil. Em seu centro, reluzente e majestosa estava uma única flor. Uma tulipa de um vermelho intenso, emanava de si mesma uma luz tão forte que era capaz de ofuscar-me os sentidos e apagar toda a dor do meu passado. A harmonia irrefutável entre o jardim e sua única habitante, me fizeram entender que, naquela manifestação impar de beleza e suavidade, eu finalmente me encontraria. Foi despertado em mim, de algum limite longínquo de meu espírito, meu mais sincero sorriso, e novamente meu coração pulsou. Cada instante que eu vivia naquele inóspito e pacifico canto do mundo, na companhia daquele ser magnifico, o encontro comigo mesmo se tornava mais real e explicito. Em alguns momentos o silêncio ainda se fazia presente, mas não me assustava mais, pois seu caráter constrangedor havia morrido. A solidão não era mais uma realidade palpável, somente uma memória estranha e anuviada, que foi sedimentada pela inundação da paz que eu encontrava ali. Ficou claro então, que cada passo da minha caminhada havia sido dado com o único propósito de me guiar até o despertar que aquele jardim me propiciava. Daquele momento em diante não haveria mais hesitação, se fosse necessário, eu caminharia para dentro do sol para viver a felicidade plena que aquele lugarejo e aquela singela tulipa me proporcionavam. Dei-me conta que a finitude universal de todas as coisas me ajudariam a manter o foco em busca da eterna dedicação para manter aquele jardim sempre vivido e sua peça vegetal central graciosa, voluptuosa e majestosa, como ela deveria sempre ser. Esse se tornou meu objetivo, por hora o cumpro bem. Hoje, as estações passam através de nossa essência, nos dão a certeza que essa conjunção existencial é originária de uma atmosfera distante, mas em nenhum momento torna essa manifestação passional trivial. Não importa qual foi meu caminho ou quantos foram os meus prantos, me encontrei nesse jardim, ele se tornou meu, e aqui, com toda a energia que alaga minha alma, cultivo a mais bela forma da natureza universal. Agora eu estou completo.