quinta-feira, 29 de maio de 2014

Intervalos arenosos.

Enquanto estava afundado nas areias escuras da realidade que não vivemos, presenciei minha identidade em atividades indesejáveis por dispositivos dispensáveis. Eu, um antigo companheiro e sua progenitora, acessamos uma passagem de alta velocidade para chegarmos até um portal que seria capaz de acelerar o tempo e nos levar a um destino que permaneceu desconhecido. Desconhecido, pois no processo, acabamos sendo surpreendidos por uma plataforma elevatória que nos fez ir de encontro com as águas turvas de uma baía, que há muito foi bela, paradisíaca e misteriosa, mas que hoje vive inundada por metais manufaturados, bestas desformes e um coalho de imundices e dejetos produzidos pelos habitantes moribundos de seus arredores. O desespero foi enorme, mas fomos salvos por um ser místico que nos permitiu escalar suas entranhas até estarmos novamente em um local seguro. Houve um intervalo no tempo. Quando recobrei a consciência estava em um carnaval passado, perdido, desnorteado e tentando compreender como havia chegado ali. Nesse local havia uma praia de composição pesada, com ruínas de um passado recente, resultado do abandono e da fúria insaciável da natureza, barracas de madeira podre e alguns figurantes aleatórios. O que me deixou atônito foi a lua que nascia no horizonte marítimo, imponente, amedrontadora, de escala descomunal e dona de um tom escarlate digno de chacinas trágicas executadas por forças superiores a nós. Era um sinal. Em minha companhia naquele momento estava alguém familiar, alguém que pertenceu a dias remotos, que entrou para minha história, mas que hoje só é capaz de ser banhada pela indiferença e pelo descaso que foi cavado com suas próprias atitudes. Em minha consciência não há mais dúvidas que esse resultado isso era inevitável, sobre isso não tenho mais o que falar. Caminhando por ali, embasbacado com o satélite que ronda nosso cotidiano, me deparei com cinco ou seis desocupados, queriam quantias e objetos que nos pertenciam, mas não tinham nada para nos ameaçar. Tentaram nos coagir com um pedaço de borracha similar a um artificio mortal, mas logo percebi a farsa e fui obrigado a devolver as ameaças com gargalhadas e deboches. Depois de alguns momentos em um entrave retórico, do nada, das sombras, como se minha própria imaginação tivesse conjurado aquele fato, surgiu um elemento surpresa carregando consigo um artefato ceifador, em minhas mãos algo semelhante apareceu. Lançamos nossas farpas ígneas em direções opostas, as dele me acuaram, mas não me atingiram, as minhas esfarelaram a caixa superior inventiva daquele individuo. Fugimos do local do imbróglio e ouvimos de longe o soar agudo e característico, que anuncia a chegada dos agentes do apocalipse. Não sei ao certo se foi antes ou depois disso, mas tive um encontro repentino com outra face familiar, essa morou por um período marcante nos meus desejos adolescentes, mas hoje, mal resta a curiosidade perturbadora de saber seu fim. O lençol obscuro que forrava o firmamento se foi repentinamente. Da mesma forma, me encontrei deslizando pelas vielas muito bem conhecidas do ambiente bucólico que vivi as melhores experiências da minha primeira vida. Era um momento radiante, o astro que nos alimenta com vida jorrava toda sua luminosidade naquela paragem, mas ao mesmo tempo, como um paradoxo geográfico, havia um frescor característico de épocas frias e suaves, essa sensação eu não sentia há quase uma década. Meu destino foi uma das tocas avermelhadas que haviam naquela vizinhança, dali saíram componentes amistosos, companheiros de desventuras, bravos, impetuosos e intrépidos. Caminhamos até as águas próximas, testemunhamos uma ressaca feroz, pouco vista, mas muito bem conhecida. No meio da maré, flutuando sem rumo, estava um conjunto de objetos usados para repousos breves e superficiais, desafiando um dos que me acompanhavam prometi uma quantidade monetária absurda, caso ele fosse capaz de trazer até a terra firme os itens que estavam à deriva. Inconsequente como sempre, saiu em disparada ao encontro do gigante devastador. Nadou contra a corrente, não alcançou o que queria, e no fim, só causou risos e preocupações. Os objetos sumiram. Na sequencia reapareceram com outra forma, complementar a anterior, amarelada e agregada em algumas unidades, causando confusão em nossas ideias. A aposta para apanhar esses utensílios foi dobrada. Sem vacilar, o mesmo alucinado partiu em sua busca pela vitória sobre os limites impostos pelas tradições. De nada adiantou novamente. Por um momento ergui minha visão ao infinito anil que repousava pacífico acima de tudo, vislumbrei a beleza etérea e pálida dos elementos que assumem formas coerentes somente em nossas mentes, cerrei os olhos e após inspirar lentamente um ar frio, despertei em uma manhã cinza, em um lugar solitário, para reviver os mesmos momentos de sempre.

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