Enquanto estava afundado nas
areias escuras da realidade que não vivemos, presenciei minha identidade em
atividades indesejáveis por dispositivos dispensáveis. Eu, um antigo
companheiro e sua progenitora, acessamos uma passagem de alta velocidade para
chegarmos até um portal que seria capaz de acelerar o tempo e nos levar a um
destino que permaneceu desconhecido. Desconhecido, pois no processo, acabamos
sendo surpreendidos por uma plataforma elevatória que nos fez ir de encontro
com as águas turvas de uma baía, que há muito foi bela, paradisíaca e
misteriosa, mas que hoje vive inundada por metais manufaturados, bestas
desformes e um coalho de imundices e dejetos produzidos pelos habitantes
moribundos de seus arredores. O desespero foi enorme, mas fomos salvos por um
ser místico que nos permitiu escalar suas entranhas até estarmos novamente em
um local seguro. Houve um intervalo no tempo. Quando recobrei a consciência
estava em um carnaval passado, perdido, desnorteado e tentando compreender como
havia chegado ali. Nesse local havia uma praia de composição pesada, com ruínas
de um passado recente, resultado do abandono e da fúria insaciável da natureza,
barracas de madeira podre e alguns figurantes aleatórios. O que me deixou
atônito foi a lua que nascia no horizonte marítimo, imponente, amedrontadora,
de escala descomunal e dona de um tom escarlate digno de chacinas trágicas
executadas por forças superiores a nós. Era um sinal. Em minha companhia
naquele momento estava alguém familiar, alguém que pertenceu a dias remotos,
que entrou para minha história, mas que hoje só é capaz de ser banhada pela
indiferença e pelo descaso que foi cavado com suas próprias atitudes. Em minha
consciência não há mais dúvidas que esse resultado isso era inevitável, sobre
isso não tenho mais o que falar. Caminhando por ali, embasbacado com o satélite
que ronda nosso cotidiano, me deparei com cinco ou seis desocupados, queriam
quantias e objetos que nos pertenciam, mas não tinham nada para nos ameaçar. Tentaram
nos coagir com um pedaço de borracha similar a um artificio mortal, mas logo
percebi a farsa e fui obrigado a devolver as ameaças com gargalhadas e
deboches. Depois de alguns momentos em um entrave retórico, do nada, das
sombras, como se minha própria imaginação tivesse conjurado aquele fato, surgiu
um elemento surpresa carregando consigo um artefato ceifador, em minhas mãos
algo semelhante apareceu. Lançamos nossas farpas ígneas em direções opostas, as
dele me acuaram, mas não me atingiram, as minhas esfarelaram a caixa superior
inventiva daquele individuo. Fugimos do local do imbróglio e ouvimos de longe o
soar agudo e característico, que anuncia a chegada dos agentes do apocalipse.
Não sei ao certo se foi antes ou depois disso, mas tive um encontro repentino
com outra face familiar, essa morou por um período marcante nos meus desejos
adolescentes, mas hoje, mal resta a curiosidade perturbadora de saber seu fim. O
lençol obscuro que forrava o firmamento se foi repentinamente. Da mesma forma,
me encontrei deslizando pelas vielas muito bem conhecidas do ambiente bucólico
que vivi as melhores experiências da minha primeira vida. Era um momento
radiante, o astro que nos alimenta com vida jorrava toda sua luminosidade
naquela paragem, mas ao mesmo tempo, como um paradoxo geográfico, havia um
frescor característico de épocas frias e suaves, essa sensação eu não sentia há
quase uma década. Meu destino foi uma das tocas avermelhadas que haviam naquela
vizinhança, dali saíram componentes amistosos, companheiros de desventuras,
bravos, impetuosos e intrépidos. Caminhamos até as águas próximas,
testemunhamos uma ressaca feroz, pouco vista, mas muito bem conhecida. No meio
da maré, flutuando sem rumo, estava um conjunto de objetos usados para repousos
breves e superficiais, desafiando um dos que me acompanhavam prometi uma
quantidade monetária absurda, caso ele fosse capaz de trazer até a terra firme
os itens que estavam à deriva. Inconsequente como sempre, saiu em disparada ao
encontro do gigante devastador. Nadou contra a corrente, não alcançou o que
queria, e no fim, só causou risos e preocupações. Os objetos sumiram. Na
sequencia reapareceram com outra forma, complementar a anterior, amarelada e
agregada em algumas unidades, causando confusão em nossas ideias. A aposta para
apanhar esses utensílios foi dobrada. Sem vacilar, o mesmo alucinado partiu em
sua busca pela vitória sobre os limites impostos pelas tradições. De nada
adiantou novamente. Por um momento ergui minha visão ao infinito anil que
repousava pacífico acima de tudo, vislumbrei a beleza etérea e pálida dos
elementos que assumem formas coerentes somente em nossas mentes, cerrei os
olhos e após inspirar lentamente um ar frio, despertei em uma manhã cinza, em
um lugar solitário, para reviver os mesmos momentos de sempre.
quinta-feira, 29 de maio de 2014
Meu mergulho.
E se eu me entregasse? E se eu me
conformasse com o mundo em que vivo e mergulhasse de cabeça nessa realidade
transitória? E se eu me desapegasse das coisas que hoje eu acho fundamentais e
verdadeiras e começasse a caminhar rumo ao mundo que todos vivem? Eu largaria o
que faço, teoricamente por prazer, e iniciaria atividades para me agregar mais
e mais à rotina determinada pelo sistema. Estudaria as nuanças requeridas para
escalar até o cume que me seria determinado, pois há um limite lógico do que se
pode ou não fazer nesse estado de subvida. Seria admirado por pessoas que
também bebem dessa fonte, viajaria para lugares distantes, para me alimentar de
informações pertinentes para poder fazer as engrenagens continuarem funcionando
exatamente como o previsto. Acordaria nos mesmo dias, para andar sobre os
mesmos calçados, para assistir as mesmas cenas, para proclamar as mesmas
orações, para receber em troca disso uma quantidade fixa de algo virtual e
convencionado como necessário para sobreviver. Talvez um dia, depois de vinte
ou trinta anos, eu estivesse em alguma posição respeitável aos olhos da massa.
Me apegaria certamente a alguns prazeres fugazes para poder segurar a onda
dessa arrebentação constante, e no fim, tudo sairia como o que sempre foi, é e
será para os que vivem assim. Poderia encontrar alegria nisso. Tenho minhas
dúvidas. Mas do que adiantaria essa dança toda, se tudo isso não passa de uma
realidade transitória? O contra ponto a isso é o desejo de viver algo diferente
e me entregar de fato ao que me agrada como tarefas cotidianas. Sempre achei
que se tratava de como nos enxergamos e do que valorizamos de fato em nossa
jornada. Mergulhar de cabeça nessa convicção é muito mais difícil, pois a
plataforma de saída é bem mais alta. Ela esta alocada em um lugar onde muitos
gostariam de ir, mas que o senso comum tenta nos convencer que é inalcançável e
perigoso. Sedutor para uns, ameaçador para outros. Viver esse risco é desafiar
os próprios conceitos enraizados nesse mundo estranho. Pode ser que no final, esse mergulho se
transforme em uma tragédia, pontuada por alguma rocha oculta pelas águas dos
sonhos. Uma coisa eu sei, não o fazer é ir contra tudo que acredito, é ir
contra quem eu sou, é desistir de ser alguém de fato, e de viver uma realidade
transcendente, não transitória.
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